Aprende-se que a lua de Dante é habitada,

que a lua de Goethe é habitada,

que Aenstria é um lugar que não foi descoberto,

que Proserpina é trezentas vezes maior que a Terra,

que os hebreus pediam ao gentio para "entreter os estranhos",

que querubim significa "criatura alada",

que os atlantes de Platão tinham espaçonaves,

que Apolodoro escreveu que "o céu foi o primeiro a governar o mundo",

que o Gênesis descreve a convivência com astronautas,

 que os índios quaillayutes acreditam no thunderbird,

que Ciro de Pers e Giovanni Canale escreveram sobre o relógio.

Elia Servenski é autor do poema "Como se fabrica uma lâmpada elétrica",

Manuscrito do poema Salman und Morolf, escrito em 1190,

falava do projeto de um barco submarino de couro

capaz de resistir às tempestades,

Colombo copiou duas vezes o coro do 2º ato de Medeia, de Sêneca,

onde o autor falava de um mundo cuja descoberta

estava reservada para os séculos futuros.

Que Dante, na Divina Comédia,

descreve com precisão o Cruzeiro do Sul,

constelação invisível no Hemisfério Norte

e que nenhum viajante do seu tempo poderia ter descoberto.

Roger Boscovitch era por seus contemporâneos

considerado "Newton na boca de Virgílio".

Victor Hugo preconizou: "existem outras coisas".

Luís Aranha escreveu sobre o aeroplano.

Há aviões de Jorge Fernandes,

o sputinik saudado por Lupe Cotrim Garaude

e por Domingos Carvalho da Silva.

Shakespeare e Milton inspiraram-se na misteriosa

harmonia cósmica postulada por Pitágoras.

Lamartine inventa até um avião motorizado em "La chute d'un ange".

Há o "anjo cinzento batendo as asas em torno da lâmpada"

e os anjos freqüentadores de mictórios e praticantes de sodomia, de Rilke.

há o Lunik 9, de Gilberto Gil,

o "casamento do céu e do inferno" do visionário William Blake,

o caso do fazendeiro que queimou a casa, recebeu o dinheiro do seguro

e comprou um telescópio,

como no autobiográfico "The star splitter", de Robert Frost,

o Alphonsus de Guimaraens Filho de "Poemas da ante-hora"

com a certeza de ser "possível é que um Sol não visto esplenda

e seja real o que sugere a lenda

e o real, ilusão".

Karel Kapek "cria" o robô como ersatz, em 1927.

Alexander Pope celebrou o fiat dizendo:

"A natureza, suas leis, escondiam-se na escuridão;

E Deus disse: Faça-se Newton! E tudo se iluminou".

Há o autômato de Tolomeu de Filadelfo que imitava,

na Antiguidade, a figura humana.

Santo Agostinho, no século XIII,

não suportou sequer a visão do andróide

criado pelo escolástico alemão Alberto Magno, seu mestre,

e o destruiu com o bastão.

O horror pelo autômato transparece também

nas narrativas góticas de Hoffmann.

Há o Cassiano Ricardo,

mormente com a technopagnia de "Gagarin" e "Rotação",

o Wordsworth de "A sabedoria e espírito do universo",

"Un coup de dés", de Mallarmé,

em que o poeta medita sobre a própria possibilidade da criação,

o poema que, com breve e fugaz constelação,

surge da luta contra o acaso, a desordem, o caos,

a entropia dos processos físicos.

Há o McLuhan da "civilização do mosaico eletrônico",

 o Kilkerry de "Quotidianas",

onde sugere "olhos novos para o novo",

o "cosmonauta do significante" Haroldo de Campos,

que faz em "Galáxias" uma signantia quasi coelum;

o Pound de "Alba", da "Homenagem a Sextus Propertius",

dos Cantos 115 e 116,

o Bachelard de "A formação do espírito científico"

e para quem "o céu está vivo",

 o Shelley cuja poesia "ascende para trazer a luz e o fogo

das regiões eternas onde as asas curtas da faculdade de cálculo

não ousam planar".

Há o Drummond de "A bomba", "Science Fiction", "O homem, as viagens",

"Visões", "A um viajante", do "Caso dos discos voadores no Leblon",

o Leopardi de "Infinito" com sua temática "cósmica e luminosa",

o "Concerto para voz, instrumento e pulsar", de Federico Amendola,

o Edgar Allan Poe de "Eureka" explicando o "paradoxo de Olbers",

o "pulsar/quasar", de Augusto de Campos,

o Tchernichevski para quem a poesia propaga enorme quantidade

de conhecimentos e divulga os conceitos das ciências,

o Leconte de Lisle, que em 1812

concitava um diálogo poético-científico,

Kaocheu-K'i, que celebra o elétron,

O disco-voador de Ezequiel, de Caetano, de Raul Seixas,

a "Ciência Nova", de Gianbattista Vico,

o "Código de Manu" dos "Ciclos do Universo", no pensamento indiano,

as "alegorias dos fenômenos físicos" em Heráclito,

o didatismo científico considerado por Northrop Fry

como "ciência versificada",

o "Apeíron", de Anaximandro,

os quatro elementos de Empédocles,

"Sobre a natureza das coisas", de Lucrécio, contra a superstição,

a "força fecundante do céu" em Hesíodo,

o Verlaine cujo trabalho pressupunha torná-lo "um vidente",

o Ramayana narrando batalhas no ar com enigmáticos "vimanas",

os "carros celestes" do Mahabarata,

os exércitos resplandecentes vistos por troianos na "Eneida" de Virgílio,

as bélicas e líricas versões da gesta astral

que povoam as noites de pesadelos,

a fortuna astrobiológica mesopotâmica,

as reverências dos primitivos Dogons, na África,

a estrela-satélite que gira em torno de Sirius,

além dos seus conhecimentos compatíveis

somente à moderna astronomia,

como a estrutura da Via Láctea, os anéis de Saturno,

os movimentos de translação/rotação da Terra

e as quatro luas de Júpiter.

Há o Boécio, no século VI,

perguntando à pós-modernidade

"como pode o mecanismo tão veloz dos céus

mover-se silenciosamente?",

o Aragon imperativo: "Muito bem! Façam entrar o infinito!",

 a Sor Juana Inês de la Cruz anunciando ser sua ânsia

"penetrar nos mistérios do universo",

o Eurípedes igualmente

dizendo que "aos olhos da luz do dia,

há observadores no céu",

o Bilac radiotelescopicamente atual

dizendo "Ora, direis, ouvir estrelas",

et alii.

 

Agora é a vez e a voz para o campo biofotônico

ondulatório holográfico,

para o período de vitória do Druj — príncípio da desordem,

sobre o de Asha — princípio da ordem;

para as supercordas e aceleradores de partículas,

reatores de fusão nuclear e cacopias,

ligas de arseneto de gálio e alumínio,

sodeto de chumbo e derivados de silício,

para os semi-condutores, chips biônicos e pensamento fractal,

ótica da complexidade, caoplexidade, com seu efeito borboleta,

seqüência genética desde a origem evolucionária, a mutagênese;

para a comunicação entre células líderes,

os novos paradigmas de processos que não se encerram,

a reserva de biodiversidade no ciberespaço,

o combate high-tech ao crime, a inteligência artificial,

a tridimensionalidade da realidade virtual,

os impactos ecológicos da decadência

e a infinita criatividade da natureza.

 

         Que o ex-belo canto, aturdido e perplexo,

adicione ao repertório do nada outras coisas comoventes

que aflijam e incomodem,

que em vez de uis e ais acione os putz!, os imputs, os ubres das urbes,

os rizomas das queimas de pestanas, os axiomas de jaleco;

que cante as quantas vai a quântica, a Eva mitocondrial,

as sondas espaciais, as teorias "de calibre",

as singularidades no espaço-tempo, a bioinformática,

as ciências das redes, a assinatura eletrônica do top quark,

as letras recicláveis com impulsos elétricos

 criando multitextos no mesmo papel, ou Gyricon;

os replicantes e os clones,

o Hal de 2001 no futuro, o Deep Blue e o Cog,

os riscos terroristas do repositório de lixo nuclear de Monte Yucca,

o imageamento funcional substituto do microsubmarino

do filme "Viagem fantástica".

Falta celebrar com sinos da agonia as colônias espaciais,

cidades subaquáticas, Ícaros atemporais,

e como Dennett questionar o que ou quem poderá assegurar

que tenhamos descendência,

e como Asimov fazer "a última pergunta":

para que serve Deus?


 

 

 
 
 

 

Márcio Almeida. Poeta, jornalista, mestre em Literatura, professor universitário. Autor de 39 publicações. Detentor de dezenas de prêmios nacionais, como os concursos Emílio Moura, 1977 e Cidade de Belo Horizonte, 2000. Membro efetivo da Comissão Mineira de Folclore.

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