"Se você não pensa no futuro, não pode ter um".

— John Galsworth

 

 

 

 

"Quem lerá hoje em dia um livro que contenha

algum assunto sério ou idéia luminosa?!".

— Goethe

 

 

 

 

 

 

 

 

"Qual será o lugar da poesia nos tempos que vêm pela frente?"

— Octavio Paz

 

 

Que a poesia retrace a linha imaginária

a separar suas imagens, sons, ícones e (in)significâncias

das formas dominantes da circulação de bens

e dos ismos istmos.

Que a poesia redescubra e reexplore

seus próprios poderes de poesia.

Que não dê trégua à resistência desejável

para mudar as velocidades, as dimensões, as direções,

o culturicídio, a "indústria da consciência",

o "asneirol filológico", o "colonialismo estilístico"

para desviar as trajetórias e as esperas.

Que sem atraso nem fieri chegue junto de si mesma,

linguagem par excellence, boca do mundo,

vozes de "imensas minorias"

a surpreender e a "chocar os ovos da experiência".

 

Que a poesia seja uma gramática dos sentidos,

pluralista e única, sujeito da escritura sem sujeição.

Que seja o desfecho mágico de Alphaville,

a memória resguardada de Farenheit 451,

ou a rebeldia vivificante da Sociedade dos Poetas Mortos,

mas que mantenha a existência digna do "horror de viver"

e que seu canto universal revolucione os "despachos da hipocrisia",

desestabilize com a diferença o valor-mercadoria,

e seja "capital intelectual novo para revigorar os escassos recursos"

da sociedade crisenta,

ainda que a utopia seja a herança do escrevente público anônimo.

 

Que lese o léxico e se alimente de "esqueletos luminares",

do "fantasma do belo" e de une saison en enfer.

Que sobreponha, sem ufanismo, à perplexidade fatalista

com o delírio de Nietzsche e que seja eleidade

enquanto rastro do outro.

Que tenha "com esse único ser de que o Nada se honora"

e no seu indizível presentificado

a "certeza do acaso" e o sentido irênico

de quem se defronta na guerra do prazer

por raridades de sua sobrevivência.

 

Que a poesia construa no "interior da maturidade do mundo"

com sua "transformação racional",

e que, a pelo e virtualmente poesia, privilégio da vida,

aja contra a mutual assured destruction.

Que desperte do pesadelo mítico e arranque o homem

do "fascismo fascinante" e responda a Homi Bhabha

quando questiona o "nós que define a prerrogativa do presente".

Que preencha o espaço vazio do futuro

com "práticas e significados que não são buscados".

Que ponha em jogo — sempre —

"a natureza performativa das identidades",

as "migrações multidirecionais", os "nódulos brancos"

do "lápis impuro" em "metamorfose incessante".

 

Que não seja a rima, nem a solução, mas poesia.

Que, órfã de eu, ainda seja Orfeu do "operário das ruínas"

e contradição,

a "outra margem do tempo como oficina fecundante",

o zoom lúcido do "longínquo país" de Artaud.

Que se condene a dizer com Bosi "aqueles resíduos de paisagem,

de memória e de sonho, a metáfora do desejo,

o texto do inconsciente, a grafia do sonho, o gemido da criatura opressa, demiurga da própria impotência".

 

Que se exile "na baunilha essencial da angústia",

mas que núncaras se bananalize

no "paraíso automatizado da redundância aos rápidos roteiros"

como o "bando de artistas contemporâneos vaidosos

seguindo os elefantes do circo do modernismo com pás de neve".

 

Que a poesia ajude a tomar uma artitude:

"o máximo pela primeira vez",

mesmo que "cerimônia subterrânea" e "crítica do céu",

e que o poeta seja "um estrangeiro de si mesmo".

Que a poesia inaugure em inferências a "história de subversões,

inversões, abstrações, heresia e desvios"

e uma "homeostase provisória",

que seja uma "relação quase", diálogo da alteridade,

pois o poeta agencia a instabilidade do "provisório perpétuo",

insta o eterno que já passou.

 

Que a poesia seja pancronotopia, rastro em eco,

make it new, montagem transfiguradora,

anarquismo construtivo, pantomima de incríveis interdisciplinas,

Camus kaze,

porque "tudo especula o entrelugar da poeticidade",

porque "não há amor à vida sem desespero de viver".

 

Que seja o "olhar em abismos" e alicie com "ferraduras de talco".

Que os poemas sejam a benjaminiana tropa de shock,

Vikings wirking,

Lógica subversiva da representação de Aristóteles a Hegel,

"fugaz constelação" insurgente contra

a "entropia dos processos físicos",

paixão pelo marginal,

contato intersígnico contra o vezo humano de se ver

por "procuração televisiva",

estranhamento como surpresa amarela

e "resposta que não imobilize o ser"

para todo aquel que ante el relâmpago no dice: la vida huye,

subjetivação do caos, complexo de épico,

a provocação da "solenidade teórica da crítica".

 

Que construa seu locus em "espaço sem lugares,

tempo sem duração"

"onde o enunciado terá sempre margens povoadas

de outros enunciados, procedimento performático

em constante permutação, dissenções, dissonância em canto,

frágeis rastros de sentidos, pegadas para uma peregrinação discursiva

fazendo interface entre interior e exterior, antes e depois".

Porque, diz Deleuze, "escrever nada tem a ver com significar

mas agrimensar, cartografar,

mesmo que sejam regiões ainda por vir".

E que seja ut pictura poesis, didEYEtica, multiplicidade de técnicas,

rede, reificação, chips em software alienígena

em busca de redenção do silêncio, intersemiose,

"floresta de símbolos",

"tradição da ruptura", alegoria, "instantaneísmo plurissignificante",

infografia, paraestética, paralogia, imago mundi, autopoiese,

consiliência, quântica, strange music, "onirismo desperto",

recepção de Hans Jauss, "absurdo heróico",

"poderoso sentimento vital"

a predicar o inusitado, a centelha de cinzas — reconciliação.

 

 

Rastros

 

Hans Magnus Enzenberger — Paulo Francis — Francisco de Assis Barbosa

Juan Ramón Jiménez — Walter Benjamin — Geraldo Dalton — Olavo de Carvalho

Susan Sontag — Augusto dos Anjos — Jomard Muniz de Brito — Moacyr Scliar

Marcelo Dolabela — Julia Kristeva — Marli Scarpelli — Mallarmé — Paul Virilio

Vera Casa Nova — Althusser — Fernando Pessoa — Horácio — Eduardo de Assis Duarte — Octavio Paz — Immanuel Wallerstein — David Carrol — Canclini

Luís A. Brandão Santos — Jean-François Lyotard — Terry Eagleton — James Joyce — Charles Newman — Bashô — Ihab Hassan

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Tudo que é dito é dito por um observador".

— Humberto Maturana

 

Tanta história no gradil do tempo e ainda perguntar

o que são lapsos de memória,

fronteiras de ecobuage,

autenticações de mamacadela,

grilos despigmentados,

superstições que apontam estrelas-verrugas,

nosologia da gripe, divisas de eras,

pérolas aos porcos,

pêndulos do mais ou menos,

enredos de cicatrizes,

vestígios de camaleão,

pregões de esquizos,

desditas reticências,

pastness de arquivos mortos,

achegas populares sazonais,

acidímetros de réplicas,

olhares de esgueira para lugar nenhum,

viagens em postais de álbuns

e em personagens de David Linch, Takeshi Kitano

e Abbas Kiarostami,

velocidades imaginárias,

porta-vozes e vices de alguma coisa,

alvarás de licenças poéticas,

flâneries de flanelinhas: perple-cidades,

ondas, sondas, persona maconda,

cósmicos oms, íons,

mapeamentos de quiromancia,

aporias do noveau realisme e da Terceira Via,

enciclopédias suplantadas pela rapidez do futuro,

"achados pontuais" da lógica paraconsistente,

fios da Babel de Cloto, Láqueses e Átropo,

sepulcros do irrelevante no "imbecil coletivo",

"deslumbramentos apalermados" da mídia erótica,

efeitos acidentais da conjuntura

que em busca de raízes corta a árvore,

"devoções estanques" e seu "conflito subconsciente",

"perdas intangíveis" com o mercado da violência,

cânones das "ficções sociais" no "aborto sobrevivente"

do próximo milênio,

oxímoros negativos e o "imperialismo das sucatas",

políticas de "degeneração gordurosa

da organização da incompetência",

"taberneiros da fé, espetaculite dos pragmatistas

e angariadores de anúncios para Deus",

"radicais do Pouco, incultos do avanço, que tendes a impotência

do esteio das neoteorias,

os amanuenses do vivre as vie de botequim de esquina",

fragmentos para colchas de retalhos e memórias inúteis,

simples lembrancinhas.

 

 

 

>>> Continua