o lado negro
Sou seu osso,
trate-me como tal.
Leve-me à boca,
carregue-me
para todos os cantos
e roa-me
sem ternura.
Porque quero sofrer
pelos seus dentes,
já que toda mágoa
vinda de você
é bem vinda.
Se me ferir,
que seja para sempre,
para que as marcas não sejam indeléveis.
delegue-me absurdos,
retribuirei com subserviência:
sem que seus sonhos transpirem outonos.
não leia cicatrizes
Você me sugere abismos.
Em troca
ofereço
todos os meus sucos,
poros
e recato.
Sou doce vesúvio em brasa quente que, de solidão,
não merece sofrer.
Você se refere a mim
como um anjo,
mas sonhei
com sentimentos reais.
Se me permitir
irei me atirar no precipício de seus olhos,
reencontrar quem me perde,
desidratar hipóteses
sem meios indissolúveis.
Debati-me nos instantes,
só encontrei conseqüências:
escrevo cartas, escrevo cartas.
nunca sem ela
O grande homem
disse ao provérbio
que verbos são para existir.
Sabe-se apenas
que o mesmo verso
revela-se a salvação e
não é por isso
que se brindam as cicatrizes.
O jovem profeta
trancou o livro
pois era tarde demais
para pensar em enigmas.
salão da última chance
Você se despede do adeus
e me faz infeliz:
não sabe amar.
Eu,
por você,
não deixo de dormir,
apenas jogo-me às traças,
lixo as unhas
fico só
e espero
sinais de degelo.
Atire a primeira sílaba
quem nunca sonhou com
beijos roubados
ou desfez nenhum paradigma.
Aqueles
que nunca ouviram
ou saberiam soletrar
o tiro calcado nas artérias do coração
sonho
Sempre tudo selvagem.
Amo os estados de espírito
que exalam de meu corpo cheio
de vários destinos ignorados por mim.
Vestígios de voracidade alheia
marcam a alma
e mostram o negro instinto
que habita
na necessidade
de ficar só.
Nada nunca se compara ao espelho,
que me mostra
a vida que não quero ver
mas está presa
em algum lugar transparente,
impregnado de mentiras imaginárias.
Sempre que lhe digo boa noite,
fico em busca de algo menos impróprio
para seus olhos
e acaricio seus cabelos
com a verdade
que me falta
lhe falar.
nunca
Ontem
à tarde foi
ontem
e,
se disse que esperaria por você,
menti.
Porque nada
é mais distante
do que um passado recente.
Mesmo que tenha dito,
tenha certeza,
preferiria procurar por abismos
a me refugiar em carências
que nunca acreditei.
Sequer vou mergulhar
em estranhas noites transparentes de desejo neutro,
muito menos gritar silêncios
para invadir covardemente o oculto.
Até praticar vandalismo com o corpo,
faria,
mas ter você na planta do pé
ou nas linhas da vida,
juro,
a resposta é nunca.
em vão
Não mereço teu apreço,
vovó já dizia:
se teus formatos
acabam em obsessão.
Se teu desprezo é
afronta aos tolos que riam,
minha cara revela revezes
da solidão.
Se queres medo selvagem eu me revejo:
talvez só queira degelo na construção.
Não sei se mero calibre do indivisível
seja capacho largado na contramão.
Se teu desejo inspira disritmia,
talvez precise desatarraxar
nossa dimensão.
Se meu instinto dissesse o que não sabia
seria fácil demais desfazer a dor.
você seria capaz de me licitar,
eu cairia
em um mundo
de colibris.