pelas mãos

 

O corpo se regenera,

as cicatrizes ficam,

a alma se esvai.

Agora ele,

sem medo

nem pelos no corpo,

disseca

a palavra dos homens

ao

separar as sílabas

das frases

ditas por Deus.

Meu zen é bom,

é sal do vento

e não sei dizer

se o oceano é opaco ou meu,

ou deixa desdizer

os nós do abraço

que apaga o pó

e afaga a luz.

 

 

 

 

 

 

de tudo mais

 

Vou fazer um backup de meus nervos.

A minha vida é sua,

meu portifólio é meu.

Fico triste

sem mais

depositar nos sonhos

o amor.

E choro quando acordo,

porque durmo

e fujo

de tudo que se move,

e do que acorda.

Procura por ele em outros tristes,

mas acabaram-se as chances.

Amor,

você não me amou:

estamos quites.

 

 

 

 

 

 

eu, pecador

 

Peco pela última vez

para que me mate novamente.

Prometo nunca mais procurar por você

em lugares imaginários e concretos,

se realizar o pedido.

Serei o avesso de dias disformes

de tardes soturnas

de noites insones,

e de tudo mais

no último livro de poemas gritado por mim.

Sem você não há vida,

mas quero mais que amar de menos.

Eu, pecador

e sempre

sem ninguém.

Bandoleiro,

leviano e Cinderelo 

sentado

no meio da metamorfose

em ponto estratégico

do salão da última chance

à espera de mãos estendidas

de alguém

que chame

para dançar.

 

 

 

 

 

 

desassossego

 

Se você me prende

e me distorce,

não tem remédio,

eu desalinho

e desespero

o que faltou no mar,

o que menos restou de nós.

Não regenero,

só desassumo

sempre que posso

me resguardar.

Porque desisto,

saio dos trilhos

desfaço as malas

anulo planos

deleto a vida

para seguir seus passos.

 

 

 

 

 

 

possessão

 

Juro

que aquele não era eu,

ou talvez fosse,

em momentos de possessão.

O pior inimigo sou eu.

como dominar o desejo

que dilacera a alma

e faz digerir

constantes desatinos?

Antes, fosse feito de pó e giz.

Detestei constatar que

do  nada se gera só

e sempre será.

Porque,

para matar a sede,

soletrei a dor.

 

 

 

 

 

 

verbos e vermelhidão

 

Talvez exista

uma maneira para ser forte,

no mínimo resistir

a seu olhar que me transtorna

e desequilibra.

Calhamaços e calhamaços

de verbos e vermelhidão

sentados na caçada desesperada

de um reencontro que não virá

e que só remetem

ao tolo

à deriva,

na espera tardia

de ver o amor

que não é recíproco

passar do outro lado da calçada ou,

com sorte,

receber um recado virtual.

Aplausos a quem se contenta com pouco

e se alimenta disso

para saborear

a vida de maneira menos

degenerativa.

 

 

 
 
 

o lado negro

 

Sou seu osso,

trate-me como tal.

Leve-me à boca,

carregue-me

para todos os cantos

e roa-me

sem ternura.

Porque quero sofrer

pelos seus dentes,

já que toda mágoa

vinda de você

é bem vinda.

Se me ferir,

que seja para sempre,

para que as marcas não sejam indeléveis.

delegue-me absurdos,

retribuirei com subserviência:

sem que seus sonhos transpirem outonos.

 

 

 

 

 

 

não leia cicatrizes

 

Você me sugere abismos.

Em troca

ofereço

 todos os meus sucos,

poros

e recato.

Sou doce vesúvio em brasa quente que, de solidão,

não merece sofrer.

Você se refere a mim

como um anjo,

mas sonhei

com sentimentos reais.

Se me permitir

irei me atirar no precipício de seus olhos,

reencontrar quem me perde,

desidratar hipóteses

sem meios indissolúveis.

Debati-me nos instantes,

só encontrei conseqüências:

escrevo cartas, escrevo cartas.

 

 

 

 

 

 

nunca sem ela

 

O grande homem

disse ao provérbio

que verbos são para existir.

Sabe-se apenas

que o mesmo verso

revela-se a salvação e

não é por isso

que se brindam as cicatrizes.

O jovem profeta 

trancou o livro

pois era tarde demais

para pensar em enigmas.

 

 

 

 

 

 

salão da última chance

 

Você se despede do adeus

e me faz infeliz:

não sabe amar.

Eu,

por você,

não deixo de dormir,

apenas jogo-me às traças,

lixo as unhas

fico só

e espero

sinais de degelo.

Atire a primeira sílaba

quem nunca sonhou com

beijos roubados

ou desfez nenhum paradigma.

Aqueles

que nunca ouviram

ou saberiam soletrar

o tiro calcado nas artérias do coração

 

 

 

 

 

 

sonho

 

Sempre tudo selvagem.

Amo os estados de espírito

que exalam de meu corpo cheio

de vários destinos ignorados por mim.

Vestígios de voracidade alheia

marcam a alma

e mostram o negro instinto

que habita

na necessidade

de ficar só.

Nada nunca se compara ao espelho,

que me mostra

a vida que não quero ver

mas está presa

em algum lugar transparente,

impregnado de mentiras imaginárias.

Sempre que lhe digo boa noite,

fico em busca de algo menos impróprio

para seus olhos

e acaricio seus cabelos

com a verdade

que me falta

lhe falar.

 

 

 

 

 

 

nunca

 

Ontem

à tarde foi

ontem

e,

se disse que esperaria por você,

menti.

Porque nada

é mais distante

do que um passado recente.

Mesmo que tenha dito,

tenha certeza,

preferiria procurar por abismos

a me refugiar em carências

que nunca acreditei.

Sequer vou mergulhar

em estranhas noites transparentes de desejo neutro,

muito menos gritar silêncios

para invadir covardemente o oculto.

Até praticar vandalismo com o corpo,

faria,

mas ter você na planta do pé

ou nas linhas da vida,

juro,

a resposta é nunca.

 

 

 

 

 

 

em vão

 

Não mereço teu apreço,

vovó já dizia:

se teus formatos

acabam em obsessão.

Se teu desprezo é

afronta aos tolos que riam,

minha cara revela revezes

da solidão.

Se queres medo selvagem eu me revejo:

talvez só queira degelo na construção.

Não sei se mero calibre do indivisível

seja capacho largado na contramão.

Se teu desejo inspira disritmia,

talvez precise desatarraxar

nossa dimensão.

Se meu instinto dissesse o que não sabia

seria fácil demais desfazer a dor.

você seria capaz de me licitar,

eu cairia

em um mundo

de colibris.

 

 

 

[imagens © nikolai bashkirev]
 
 
 
Helder Miranda (Santos/SP). Jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos) e pós-graduando em Mídia, Informação e Cultura, na Universidade de São Paulo (Usp). Teve passagens pela Globo Livros, onde foi redator free-lancer de press-releases, e no portal IG, como resenhista de literatura .Também é escritor e roteirista. Editor do site cultural Resenhando [www.resenhando.com]. Twitter: @heldermm
 
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