©brian g. green
 
 
 
 
 
 

 

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Sem transcendência e sem impostação, o americano William Carlos Williams escreveu a poesia dos pequenos lances da vida corriqueira.

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William Carlos Williams, de quem escolhemos alguns poemas para traduzir e comentar nesta semana, é um tremendo poeta com uma presença ainda tímida no Brasil, o que até surpreende dada a usual voracidade por coisas americanas. E Williams é americano até a raiz dos cabelos: nasceu (1883) e morreu (1963) na mesma cidadezinha de Rutherford, em New Jersey, com brevíssimos períodos fora de sua cidade natal. Já os pais, nenhum era americano: o pai era inglês e a mãe, porto-riquenha, o que ajuda a esclarecer o seu segundo nome.

 

Quando falamos em presença tímida no Brasil, estamos mesmo falando por experiência própria, pois em nossas leituras de sexta-feira, na Unicamp, o público crescia a cada semana enquanto comentávamos The Waste Land, de T. S. Eliot. Findo o poema, resolvemos passar a Williams e, para nossa surpresa e desgraça, a audiência caiu bruscamente para a metade na primeira semana e para dois ou três gatos pingados na segunda. Na terceira semana, resolvemos voltar a atacar o invicto Eliot, que novamente trouxe consigo um grande número de admiradores e leitores de poesia. Ainda tentamos descobrir uma forma de introduzi-lo por lá, em sextas que não se tornem vazias e melancólicas. Enquanto isso, vamos ensaiando a tradução de alguns poemas desse poeta que se torna difícil justamente por recusar qualquer dificuldade e impostação marcadamente poética.

 

Antes de passar às traduções, pode ser interessante saber que Williams formou-se em medicina, com especialização em pediatria. Talvez se pudesse pensar que essa profissão, que ele exerceu durante toda a vida, em Rutherford, exigia qualidades que também se encontram em sua poesia: um agudo senso de observação, grande paciência perante os assuntos menos interessantes, indiferença às críticas nascidas de expectativas infundadas. Mas como o mundo está cheio de bons médicos que são maus poetas, não é o caso, por certo, de deduzir da atividade profissional do Dr. Williams as características mais notáveis da sua poesia. Aliás, WCW não foi apenas poeta, mas um polígrafo competente. Começou pela poesia e foi por ela que mereceu amplo reconhecimento internacional, muito mais do que pelas demais formas de escrita que praticou. Mas escreveu também uma trilogia de romances (White mule, 1937; In the money, 1940; The build-up,1952); contos (The farmer´s Daughter, 1961); várias peças de teatro recolhidas em Many loves and other plays (1961) e prosa diversa (In the americain grain, 1925; Autobiography, 1951). Além de Paterson, que mescla verso e prosa em cinco volumes escritos entre 46 e 58 e é geralmente considerado a sua obra-prima.

 

Da sua produção em verso, devemos citar ao menos The tempers (1913) e Spring and all (1923), que marcam os limites de uma produção balizada pela concepção poética de Pound e ainda de Eliot. Nesse tempo, Williams estava próximo do grupo de poetas surgido à época da primeira grande guerra, nos Estados Unidos e na Inglaterra, e conhecido como os "imagistas", cujos nomes principais, além de Pound e Eliot, eram Hilda Doolittle, Amy Lowell, Richard Aldington, Ford Madox Ford e até James Joyce. O foco principal desta nova poesia estava posto justamente na busca de imagens como correlatos objetivos das emoções. Ou seja, a tônica era a construção de uma poética fundada na objetividade das imagens, embora o fim último da poesia imagista fosse a "recriação" de uma emoção ou de um sentimento.

 

Williams logo se distingue dos "imagistas" por restringir a sua poesia ao retrato de objetos, cenas ou ações banais. Em sintaxe direta, com léxico prosaico e limitado, evitando qualquer marcação métrica de tipo tradicional, sua poesia produz efeitos surpreendentes com um mínimo de recursos. Já na década de 20, possui uma dicção muito individual e, embora sempre se tenha mantido próximo de Pound (a ponto de seu poema Paterson ser freqüentemente associado, enquanto estrutura, aos Cantos), Williams pode ser visto como um anti-Eliot. Principalmente no período da maturidade de ambos, em que Eliot vai escrever com crescente erudição e preocupação metafísica, enquanto Williams vai manter-se nos limites do prosaísmo objetivista, publicando, em 34, o que talvez seja o mais característico dos seus livros:  Collected Poems 1921-1931. Posteriormente, publica ainda vários volumes de poemas, de que se destacam The Collected Later Poems (1950) e Pictures from Brueghel (1962), que é o seu último, marcado pela temática da velhice.

 

Os poemas que traduzimos pertencem aos seguintes livros: Arrival e The lonely street fazem parte de Sour Grapes (1921); Poem, de Collected Poems 1921-1931; Proletarian portrait é de An Early Martyr (1935).

 

Não é nada fácil traduzir Williams, como, em geral, não é fácil traduzir qualquer poeta minimalista. No caso deste poeta, acresce a dificuldade da tarefa o fato de que ele obtém grande parte dos seus efeitos da forma de distribuição espacial do poema. Sem pontuação, sem regularidade métrica tradicional, seus poemas exigem do leitor que elabore hipóteses de decifração sintática que são modificadas ou contrariadas pelo verso seguinte. Efeito que, no português, é mais difícil de obter-se do que no inglês, sem perder-se o tom de naturalidade produzido pela ordem sintática usual; por exemplo, a colocação do adjetivo antes do substantivo, em geral, no português, torna a frase afetada, o que arruinaria o poema e a tradução.

 

Este é o ponto sutilíssimo em que opera Williams: com duas ou três frases, dispostas de modo inesperado, produz-se a dúvida, a hesitação da leitura e a surpresa. E como os objetos ou as ações retratadas mantêm-se todo o tempo absolutamente banais, sem qualquer transcendência ou simbolismo, o efeito básico de sentido de um poema de Williams é o de exigir a atenção para o que nunca é mais do que humilde, pedestre, senão irrelevante: pequenos lances da vida corriqueira.

 

 

 

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William Carlos Williams: alguns poemas

(Tradução de Alcir Pécora e Paulo Franchetti)

 

 

 

Arrival

 

And yet one arrives somehow,

finds himself loosening the hooks of

her dress

in a strange bedroom -

feels the autumn

dropping its silk and linen leaves

about her ankles.

The tawdry veined body emerges

twisted upon itself

like a winter wind...!

 

 

 

Chegada

 

De alguma forma, você chega,

se descobre soltando os colchetes do

vestido dela

num quarto estranho -

você sente o outono

deixando cair as suas folhas de seda e de linho

sobre os tornozelos dela.

O corpo vistoso raiado de veias emerge

torcido sobre si mesmo

como vento de inverno...!

 

 

 

 

 

Poem

 

as the cat

climbed over

the top of

 

the jamcloset

first the right

forefoot

 

carefully

then the hind

stepped down

 

into the pit of

the empty

flowerpot

 

 

 

Poema

 

quando o gato

subiu no

topo do

 

guarda-geléias

primeiro a pata direita

da frente

 

cuidadosamente

depois a traseira

desceu

 

ao fundo

do vaso de flores

vazio

 

 

 

 

 

Proletarian Portrait

 

A big young bareheaded woman

in an apron

 

Her hair slicked back standing

on the street

 

One stockinged foot toeing

the sidewalk

 

Her shoe in her hand. Looking

intently into it

 

She pulls out the paper insole

to find the nail

 

That has been hurting her

 

 

 

Retrato proletário

 

 

A moça grandalhona sem chapéu

de avental

 

O cabelo preso atrás, parada

na rua

 

Um pé com a meia tocando

a calçada

 

O sapato na sua mão. Olhando

com atenção

 

Ela arranca a palmilha

para achar o prego

 

Que a estava machucando.

 

 

 

 

 

 

The Lonely Street

 

School is over. It is too hot

to walk at ease. At ease

in light frocks they walk the streets

to while the time away.

They have grown tall. They hold

pink flames in their right hands.

In white from head to foot,

with sidelong, idle look -

in yellow, floating stuff,

black sash and stockings  -

touching their avid mouths

with pink sugar on a stick -

like a carnation each holds in her hand -

they mount the lonely street.

 

 

 

A rua solitária

 

As aulas acabaram. Está quente demais

para andar à toa. À toa

de saias leves elas andam pelas ruas

para passar o tempo.

Elas cresceram muito. Elas têm

chamas cor de rosa na mão direita.

De branco da cabeça aos pés,

com um olhar oblíquo, desocupado -

de amarelo, as roupas soltas,

de cinto e meias pretas -

tocando as bocas gulosas

com o algodão-doce cor de rosa -

como um cravo que cada uma tem em sua mão -

elas sobem a rua solitária.  

 

 

 

[Artigo publicado no Correio Popular, de Campinas)

 

 

 

 

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outubro, 2005

 

 

 

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