A Coleção Pasárgada, da Ardósia Associação Cultural, de Cascais, acaba de ganhar o seu segundo livro, o primeiro em Portugal do poeta e contista brasileiro Iacyr Anderson Freitas, Terra Além Mar, antologia que abrange trabalhos de 16 obras e outros poemas ainda inéditos. Segundo o diretor da Coleção Pasárgada, o também poeta Ozias Filho, responsável pela seleção dos poemas da antologia, Terra Além Mar é "um vôo maior, sem escalas, para algo inatingível, etéreo e que ganha uma vida física".

 

Até agora, em Portugal, os poemas de Iacyr Anderson Freitas haviam sido publicados em periódicos literários e em livros coletivos, tais como Reflexos da poesia contemporânea do Brasil, França, Itália e Portugal, editado em 2000 pela Universitária Editora, e ainda Quanta terra!!! — Poesia e prosa brasileira contemporânea, organizado pelo poeta português Amadeu Baptista e publicado pela Casa da Cerca-Centro de Arte Contemporânea, em 2001.

 

Não se pode deixar também de lembrar que Primeiro Livro de Chuvas, de 1991, obra em que a poesia de Iacyr assume contornos nitidamente pessoais, foi vivamente saudado pelo poeta brasileiro Carlos Nejar em sua coluna no Jornal de Letras, de Lisboa (17/12/1991).

 

Aos 42 anos, Iacyr ainda pode ser considerado da nova geração de poetas do Brasil e constitui um dos principais representantes da lírica brasileira, assumindo um lugar de destaque entre aqueles que se revoltaram contra o vanguardismo teórico do concretismo e do neoconcretismo. Sem desprezar as conquistas estéticas do passado, o poeta é moderno em seu permanente diálogo com os grandes poetas da língua portuguesa, como fica claro no poema que dedica a Manuel Bandeira (1886-1968), que faz parte de O Aprendizado da Figura, de 1989, e consta de Terra Além Mar:

 

pode a noite descer

pode a indesejada das gentes chegar

eu já tive

todas as lições de partir

: volto enfim a tomar conhecimento da aurora

 

tive a estrela da manhã

tive as três mulheres do sabonete araxá

como quisera eu o meu último poema?

meus amigos meus inimigos

procurem o meu último poema

hei de aprender com ele

a partir de uma vez

sem remorso

sem saudade

 

Chegando à maturidade, Iacyr, que nasceu em Patrocínio do Muriaé e mora em Juiz de Fora, interior de Minas Gerais, já exibe largo currículo, tendo publicado 14 volumes de poesia e três de ensaios literários, além de uma coletânea de contos. Boa parte da sua produção poética já havia sido reunida em outra antologia, Oceano Coligido, que saiu pela editora Viramundo, de São Paulo, em 2000, reunindo poemas escritos entre 1980 e 2000, desde Verso e Palavra, de 1982, a Mirante, de 1999.

 

Nesse percurso, Iacyr experimentou quase todo tipo de poesia, desde o verso livre até o tradicional soneto, que explorou em Mirante, sem deixar de expor o conflito entre o antigo e a modernidade. Hoje, como provam os versos de Terra Além Mar, a sua poesia segue outro rumo, mais despojada, mais direta, mas ainda ancorada no território da infância, manancial de toda a lírica:

 

(...) Um vento sopra da infância

e traz de volta a cor dos cabelos

as unhas, esse brilho inútil de existir.

 

Quantos poderiam

escavar a céu aberto esse ouro,

levantá-lo contra as aves, erigi-lo

em si para não ser?

 

Nada há para testemunhar,

a tudo ultrapassamos.

 

Um vento arrasta nossa infância contra as pedras

e é apenas vento,

sem metáfora e sem passado.

 

Tudo isso corrobora o que diz Amadeu Baptista, responsável pelo prefácio, ao pedir, em genial e intrincado jogo com frases do próprio poeta, que "saibamos nós ler a exata medida e o exato alcance" das palavras de Iacyr porque, facilmente, "concluiremos que vivemos o inexpremível/ com as palavras, mesmo se, ou sobretudo, são os seus mortos que, através da sua poesia, nós ouvimos mesmo os que não quiseram ou não puderam comparecer, mesmo se, pelos seus versos, à sua infância nos entregarmos para entender que toda a história se nutre/ de muitos fios, mesmo se, com ele, enfrentamos a morte neste tempo (em que) / estamos acossados pela morte//: da medula ao osso, aquém e além-mar".

 

Em sua carreira, Iacyr já acumulou muitos prêmios literários nacionais e internacionais, tendo obtido por duas vezes o primeiro lugar em poesia no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte, em 1990 e em 1993, o Prêmio Nacional Joaquim Norberto, promovido pela União Brasileira de Escritores em 2001, e o Prêmio Internazionale Il Convívio, promovido pela Accademia Internazionale Il Convívio, de Itália, em 2002.

 

Em 2005, o poeta conquistou em Cuba com o seu livro de contos Trinca dos Traídos a menção especial do Prêmio Literário Casa de las Américas.  Além de Portugal, sua obra encontra-se divulgada na Argentina, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Itália e Malta.

 

Para o crítico Fernando Py, que acompanha a carreira do poeta quase desde o seu início, a poesia de Iacyr segue um caminho próprio e, certamente, ainda se cristalizará como uma das melhores vozes brasileiras do século XXI. É uma previsão que podemos endossar sem medo de errar. Aliás, essa cristalização já começou.

 

 

 

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Terra Além Mar, de Iacyr Anderson Freitas, com prefácio de Amadeu Baptista. Cascais, Ardósia Associação Cultural, 192 págs., 2005. E-mail: mailto:info@ardosia.com.pt

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outubro, 2005

 

 

 

 

 

Poemas de Terra Além Mar

 

 

 

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