©lelus
 
 
 
 
 
 
 
 

ATO & DESACATO

 

Guarde bem

meu amor

o que lhe dou

como metáfora

de mim:

pense-me lhama.

 

Atravesso um deserto

sem água ou alimento.

Viajo até os confins

sem conhecer oásis

varrida pelos ventos

tolhida

pelas tempestades

de areia e pensamentos

que assaltam meu caminho.

 

Mas jamais esmoreço

e sei que me confia

o amor outros tropeços

pela carga que levo

nesse afã de servir.

 

Nada reclamo ou peço

se o próprio amor me acalma

em seu sóbrio silêncio

em comunhão com a alma

que por certo há em mim.

 

Mas se me ocorre

para apressar meu passo

e o aguilhão do cansaço

ouvir a voz que entendo

vir rascante de dentro

e áspero o seu timbre...

 

Mas se apreendo

o descompasso

entre o que faço por

fidelidade sã consciência

da missão a cumprir

e um comando perverso

que fere meus sentidos

e faz sangrar minha pele

para que eu dê de mim

além dos meus limites...

 

Desprezo o desacato

deslembrando quem fui

e até onde o segui.

Dobro minhas pernas

deito o meu corpo lasso

estiro o meu pescoço

e fito além do espaço

o amor que se evolou

por não me merecer.

 

 

 

 

 

 

DIA DAS MÃES

 

Meu pai era um sujeito estanho

encastoado

baixo moreno-tacho

filho de Vovó-Rita

índia de laços.

 

Tinha um temperamento instável

sujeito a chuvas e trovoadas.

Seus olhos miúdos

faiscavam chispas

de um limpador de pára-brisa

sempre ligado.

 

Quando xingava a gente era de

filhos da puta

seus miseráveis

corja de canalhas.

Quando ficava alegre assoviava

valsas de antigamente

cantava em falsete

tocava flauta.

 

Uma vez me pôs sentada

na sua cadeira de dentista.

Disse filhota, olha o que eu fiz

e me confiou seu tesouro:

uma caneta-tinteiro

toda folheada

de mil cachinhos de uva

(papai era um artista!)

em filigranas de ouro.

 

Fiquei fora de mim

olhando aquilo. Papai

de costas

improvisava um anel de correinha

e brinquinhos de flor — resto de solda.

Furou minhas orelhas arredias

e tauxiou de lágrimas douradas

a sua cinderela por um dia.

 

Então me ergueu ao colo e me chamou de Mimo.

Nesse momento herdei o seu destino

mais secreto

tantos anos depois:

um dicionário de rimas

alguns sonetos dispersos

e tudo o que podia não ter sido

e sempre foi.

 

Quando morreu eu estava na Inglaterra.

Soube por carta alcoviteira

tarde demais.

O ódio de suas fêmeas carpideiras

ainda hoje assoma açula assola

com sua matilha de cães

o amor que me impedia e sinto agora

que chora por meu pai

neste Dia das Mães.

 

 

 

 

 

 

IMITAÇÃO DE CRISTO

 

Na queda-de-braço do amor

é de levar sempre a melhor?

 

Por mais — ou menos — conforto

divaga — ou viaja — na do outro?

 

Pode caminhar sobre as águas

se embarca em canoa furada?

 

Acha que está no mesmo barco

mesmo chovendo no molhado?

 

Com a vida — tem se dado bem?

E o vil metal — sonando, vem?

 

Consulta o horóscopo moreno?

Geme-o? Sui generis? Gênio?

 

Prefere ouvir-se heterônimo

ou à secretária eletrônica?

 

Porco, vampiro, tubarão,

na hora do lobo: rato, polvo?

 

Heterossexual de nascença

ou medo de ser quem pensa?

 

De camarão, ou de avestruz

vai de cabeça? E de cruz?

 

Há um cireneu na sua vida

ou madalena — arrependida?

 

Um amador fazendo o cooper?

O cooper feito — maldoror?

 

Sabe que amar sem ser amado

é se abanar sem ter calor?

 

Saca no fundo o palavrão

como um cachorro ao mundo-cão?

 

Pensa que Cristo olha pra isto?

Isto é, aquilo? A quilo? É isso

 

ser vencediço — ou vencedor

na queda-de-braço do amor

 

 

 

 

 

 

ROCK RURAL

 

Ruminei o amor platônico

do cotovelo à omoplata.

Cavalguei nua em seu lombo

mas rocinei meu cavalo.

 

Emplaquei o amor idôneo

com selo e certificado.

Do cio ao ócio um patrono:

comi mais que o sal de um saco.

 

Do amor que não ousava nomes

ousei ódios e odes sáfaras:

pela índole, indo às fontes,

pelo síndrome, indo aos fatos,

 

toquei safira e sanfona

e escapuli dessa escápula.

Avaro, unha-de-fome,

toureei o amor, unha-e-carne.

 

Persegui o amor na planta

com foice e cabo de enxada.

Levei luas me embrenhando:

posseira, meeira, escrava,

 

dei com rocha e areia rocha

cavuquei mandioca brava

deitei calcanhar em ramas

(em maus lençóis desaguava).

 

Ah o amor... coronelando

sobre as patas, sob os cascos,

pisava de borra-botas

meu chão sem raiz. Meu charco.

 

Afoguei o amor no fosso.

Por cima uma cruz de tábuas.

Adestrei-me égua-amazona.

Coração, sei-o apartado.

 

 

 

 

 

 

CHUPANDO MANGA

 

No pé, tem mais sabor.

No próprio galho, mais.

Barra de atalho:

quintal de Cataguases

(no Largo do Rosário).

A menina trepada

no pé de manga espada

coleciona esqueletos

de caroços de manga

pendidos pelo cabo.

É preciso ter prática.

A manga bem madura

se for tocada, cai,

desperdiça, esborracha

no chão t'apetecível

que fica pra mais tarde.

Agora é contorná-la

como se faz amor —

pondo as mangas de fora:

as que resistem ao tato

as que não cheiram fundo

as que não pintam e bordam.

Esta vai, de mordida

em mordida, sua pele

deixa ver a cor viva

(entre coral, vermelho)

que os dentes vão lanhando.

Dulcíssimo, seu sumo

pelo queixo, pescoço,

ungindo de perfume

como a Arão, as barbas.

Fibra a fibra, o caroço

depois de bem lavado

(só de saliva e língua)

merece ser penteado.

Tudo está nos conformes:

a manga, enorme, pesa

como um copo de suco

no arregalado estômago.

Resta fazer a sesta

no gancho de dois galhos,

cabeça recostada

ao tronco da mangueira

visando um céu sem conta

de pintalgadas prendas.

E sonhar outras mangas

já sendo encaçapadas

(logo mais, pelas tantas)

que vão deixando à mostra

seus raios-X aos pássaros.

 

 

 

 

 

 

PROSCRIPTA

 

água bruta

uva brava

gruta úvida

vulva ávida

 

pavloviana

campânula

luva dalton/

supersônica

 

bivalve

pansexual

saúva do mel

flor do mal

 

água-mãe

alga marinha

sulfu'rosa

sulf'urina

 

vinha ônica

unha ágata

viúva de málaga

magma

 

gruta dédala-

biríntica

pantagruélica

mina

 

granada

boom mineral

uvavorita

graal

 

 

 

 

 

 

ATAVISMO

 

Fico imaginando Deus

se me permitisse, agora,

com a senhora me encontrar.

 

Mamãe, de que falaríamos,

a senhora, além dos cem,

quem sabe, eu chegando lá?

 

Como seria esse encontro

desde a menina que fui,

à moça em que me virei:

 

quando eu tinha vinte e três,

a senhora, então, teria

o que em dezembro completo.

 

Fico pensando em mim mesma

sendo mãe dessa menina

e dessa moça, aind(a)feto.

 

Como eu me comportaria

para dar conta de não

ser sua cópia car...bono,

 

calando ao que mais importa

a uma aprendiz de sua vida

entre as grades do abandono?

 

Mamãe, só depois dos trinta,

e aos dez, de psicanálise,

tentei reagir aos comandos

 

de jamais me ver no espelho,

mas à senhora, sofrida,

e, a cada dia, isolando-se.

 

Seus filhos, esparramados,

não lograriam o insucesso

que suportaram meus ombros

 

por tê-la sempre por perto

e me exigir  que acharia

a chave do seu cadeado.

 

Dei-lhe o que a mim não me dava

no nosso longo deserto:

afeto, amor, companhia,

 

parceria em seus baralhos,

jogando 'bisca de nove'

ou matando 'pelo rabo'

 

charadas que me ensinava,

crochês que eu nunca aprendia,

medo de Deus e do diabo...

 

Namorado?: não podia!

Amigos em casa?: não!

Aniversário? Natal?

 

Ano Novo? Nem por sombra

se festejava uma data.

Nem mesmo fim-de-semana

 

dava pra escapar de casa.

E nunca, quando adoecia,

pude contar com empregada

 

para as tarefas de dentro,

eu que lá fora ralava

provendo o nosso sustento.

 

Sempre, na cama, a senhora,

desistida de viver

ou de me dar alforria.

 

Minha mãe, dona Maria,

como foi triste e perpétuo

viver sem pedir socorro

 

salvo à nossa mãe do céu

(essa, sim, passou por todas

mas tinha, por filho, Deus)!

 

Se o menino é o pai do homem,

como escrevia Machado,

eu fui a mãe da senhora

 

e hoje sou filha sia'mesma.

Por pai, tenho o Superego

que jamais largou meu pé.

 

Acho até que a nossa história

continua sendo idêntica.

E, se a gente se encontrasse,

 

palavra: inútil seria.

Um mútuo olhar nos bastava.

Silêncio. Tranco [as memórias].

 

 

Maria do Carmo Ferreira

Cataguases/MG, 21/12/1938

 

Maria de Oliveira Ferreira

Santana de Cataguases, 28/07/1898

 

 

 

 

 

 

VIDA NOVA

 

Jovem, a alameda

de patas-de-vaca:

folhas verdejando.

De flores, nem sombra.

Tem da rosa e branca.

Esta, me ensinaram,

faz curas notáveis:

dores musculares

e mesmo  diabetes.

 

Passo no passeio

como quem quer nada

no curto trajeto

entre a Lemos Cunha

(parada do táxi)

e a que não prevejo

mas alguém responde:

Roberto Silveira.

Ah, muito obrigada.

 

Levada em coleira,

na guia, vai Beija,

minha cadelinha

raçuda e de raça.

Tropeço em meus passos:

Beijinha, me espera!

De afoita, ela empaca.

Nada faz na rua,

nunca na calçada.

 

Vou gravando as casas

desse curto en'trecho

de onde um nono andar,

sem pressa, me agrava.

Todos os lugares

onde já morei.

Todos os vazios

e desvãos da alma.

Sem pressa e sem calma.

 

A Delegacia

já ficou atrás

plantada na esquina:

nenhum movimento.

Agora uma igreja

simples pequenina

casa de boneca

com um belo cartaz:

Igreja Evangélica.

 

Jogos, som e festa

para a criançada:

período de férias.

Recolho minha féria

do dia, e percorro

mais cinqüenta passos

indecisos, trôpegos,

sempre embaraçados

no afã de Beijinha

 

galopar à solta.

E já dobro a esquina

virando à direita.

Um pé de espumilha

floresce em lilás

a longínqua, lenta,

longa puberdade.

Dou corda à menina

que de mim discorda.

 

Voltamos exaustas:

uma por querer,

sem poder, andar.

A outra, ofegante,

pela rédea curta

da minha mão direita.

Chegamos a casa,

digo, apartamento,

prontas a ocupá-lo

 

no espaço. E no tempo

que ainda nos restar.

 

 

 

 

 

 

CARTA A HELENA

 

A carta que eu fiquei de te escrever

vai indo agora, alheia a uma resposta.

Amar, ama-se sempre, a qualquer hora,

a se perder de vista, e a se perder.

 

Nem mesmo protelando o que se arvora

em brotos, neste tronco ressecado,

vale a alegria da folhinha nova

pensando em ti, desde outro calendário.

 

A carta segue assim, minhas mãos postas,

pedindo a quem me guarda, sintonia

com o Anjo teu, da guarda, e ao nosso dia,

noite estrelada, e mais: boreais auroras.

 

Quem sabe ainda recebo, surpreendida,

tuas fotos , não de Caras, mas de moto,

percorrendo o país de ponta a ponta

e registrando a vida nessas fotos...

 

Quem sabe se o meu sonho se realiza

nos riscos de aventura e malasartes

de pícara, dos picos que escalaste,

até me ver inteira em teus confins.

 

Até rever-me unificada em mim.

 

 

 

 

 

 

1945

 

Da janela do banheiro vi a manga

lustrosa de amarela me chamando.

Não me fiz de rogada.

Subi como um foguete pelo tronco

(ou pau de sebo?)

depois da forte chuvarada.

 

Os olhos só na prenda

fui  deslizando cautelosa

até o final do galho.

 

Retive-a na mão durante a queda.

 

Bombástica (digamos)

que os vizinhos

lindeiros do quintal de onde morávamos

com a barulheira e gritos acorreram.

 

Mas antes deles meu Anjo-da-Guarda.

 

Contagem regressiva só depois:

entre uma grosa de outras mangas

verdes

fui salva pelo gongo ou pelo Dedo

de Deus que a tudo assiste

e a tudo ampara.

 

Salmoura em água morna

vinagre arnica bacia de lata

e eu brand new again

novinha em folha

meio século e mais (hoje) depois

que adentro a vida em meus 62.

 

 

 

 

 

 

EMERGÊNCIAS

 

Quando eu tinha 10 anos

minha irmã casada

me chamou no quarto.

Tinha parido o seu primeiro filho

e, entre relaxada e displicente,

pediu que eu lhe pegasse

um vestido no armário.

Deu pra eu notar, de soslaio:

estava só de calça e sutiã.

Tinha uma pele branca e flácida,

barriga intumescida,

em nada a minha irmã

de fantasia de havaiana,

divina, entre os fiapos

das matinês dos filmes

de final de semana.

Um mal-estar só de alma

me invadiu por inteiro

e fui chorar na sala.

 

Depois outra irmã pariu,

e eu, já nos meus 12,

tomei o trem e fui,

entre vaidosa e grave,

ser madrinha no Rio.

Olhei meu afilhado

roxo e de tantas peles

que me assombrava o tato

visual. Bem mal retive

aquele horrendo flash.

Fui chorar no banheiro.

Não quis saber de festas e retratos,

voltei as costas pra eles

e, só, no meu quintal de Cataguases,

nas grimpas da mangueira,

chorei e vomitei minha orfandade.

 

Aos dezessete, uma colega

do curso colegial

me ensinou fatos da vida.

O que meus pais tinham feito:

tremenda porcaria

pra que eu fosse parida.

Fiquei chocada.

Se nunca os vi de abraços, beijos,

e cada qual tinha o seu quarto...

 

Alguma coisa se quebrara em mim

como a cabeça do bebê de porcelana

que o meu primo Juquinha me trouxera

nos seus  troféus da Itália

quando pracinha entre guerras.

Aprendi a fazer bruxas de pano

bolas de meia, petecas de  folhas

de milho ou bananeira

e penas de aves.

Mesmo em Belo Horizonte pulei corda,

jogava amarelinha com cacos de telha,

e até os meus 19,

por fora, bela viola,

por dentro era uma moça retardada.

 

Não me casei, não pude

desfrutar de namoros mais ousados

até completar os 30,

já fora e longe de casa.

Nunca respostas para tais perguntas

que ainda me sufocam

neste sem tempo/espaço.

Jamais a ratificação do doce, terno,

baldado romantismo lido em livros

e telas

na pauta da memória

de alguma sinfonia inacabada.

 

 

 

 

 

 

 

O MIJO DA FONTE

 

Por uma questão de fonte

vai ser corrida da lista.

E a fontana mija, mija,

debaixo e em cima da ponte.

 

O pai e as mães sentem nojo

(reinava a poligamia)

da fontana cujo estorvo

era mijar noite e dia.

 

Pensaram se algum tampão

poria termo a essa "orgia"

do ameaçador mijacão:

mijar — tudo o que fazia.

 

Em reunião ou complô,

em carta de desagravo,

muitos votos sem favor

contra o mijante buraco

 

que causava imundações

nos paus-a-pique, barracos

e acampamentos de "nãos"

por tudo o que foi mijado.

 

Mas a neta da fontana

era uma ninfa das águas

e, a permitir que a anciã,

por mijo, penalizada,

 

viesse a ser alvo de horrores

entre esses negros buracos

(mijando escondido, todos,

só ela, inocente, às claras)

 

resolveu pôr fim à história

limpando a barra pesada:

à vista e à frente, in memoriam,

fez da fontana uma estátua.

 

 

 

 

 

 

carre X four

 

não sei porque percorro

espaços sem/con/fins

não sei se mato ou morro

não sei nada de mins

 

 

 

 

 

LEMBRANÇAS VIVAS

 

Matei meu pai em cada vietn(h)ome,

que me forçaram a fuzilar.

 

Mas não o fiz por graça nem desgraça.

Tremia, transudava, horrorizado,

in-fame, ante a miséria, ali, de joelhos

na mina de si mesmo, de um buraco,

tragado para fora, face a face.

 

Só vendo, nele, a figura paterna

(ser'vindo de cobaia), eu disparava.

 

Morri da mesma guerra. E volto ao lar.

 

Decidiram-me estranho, os lá de casa.

Pai, mãe, irmã (ora universitária).

De quando em vez, cenas que sublevavam

meu proceder com'um, e eu metralhava

a torto e direito, sem mais respeito,

e a despeito dos mais que me ignoravam.

 

Dia de Ação de Graças. Só balelas

dentre baixelas, parentelas... hábitos.

Vestido de veterano de guerra,

p'airado, à mesa, farto de medalhas.

 

Neurótico de guerra, eu, ou eles,

que me puseram a correr, de casa?

Engalfinhavam-se por tudo... e nada.

Des'culpavam-se, então. Eu, impermeável,

tranca'fiava-me, a tempo, no meu quarto.

 

Não saí. Não saí. Shit! Berravam,

insistindo-me à tona, eu in'vestido

do meu mais fino traje, uma blue-shirt

(presentinho da tia, para as festas).

 

Ao invés, destrocei tudo o que tinha.

Armei-me de mochila e arma real,

rendi meus pais à porta da cozinha.

Fiz refém da irmãzinha, tiro ao alvo.

 

Pus o meu velho a se ajoelhar de medo.

Obriguei-os a ver, no que encenava,

a dimensão do que eu vinha sofrendo

na nova guerra armada no barraco.

 

Antes, meu pai tinha ido ao escritório,

trazendo em cash o de quê me comprar

para eu partir, sem se sentir culpado.

Agora, eu é que o faço des'dobrar-se

e recitar mementos, desgraçado

 

pelas desgraças que me fez passar.

 

Como lhe suplicara financiamento

para fugir, descrente, ao Canadá...

À guerra, a jovens sãos, não condenassem!

Puta, que me pariu, não foi o Estado.

Ia servir de bucha de canhão.

Eu, salva'guarda da honra... do meu pai!

 

E aqui estão os três sob minha mira.

Querendo ou não, terão que me escutar.

Pai, mãe e irmã — na linha do tiro.

Redivivo, vivi o dom supino

de decidir por mim, na hora H.

 

Findada a longa amnese, eu, o catártico,

caindo em prantos, ajoelhei-me, in'sano,

abraçado, em soluços, ao meu pai.

Voltara ele a ser firme, e mais tirano.

Com um pontapé, me fez capitular.

 

Ninguém, nem viva alma, à despedida.

Porém sobrevivi, pária, isolado.

Do Monumento (pós-guerra) ao Soldado,

souberam: estive lá. Ressuscitado.

 

 

 

 

 

 

QUASE

Com palavras
quase posso
tudo
quase posse
um mundo
de palavras
quem as possua
quase explode
os muros
quase explora
o bruto
das ...
palavras
podem muito
quase forçam
um furo
nas...
palavras
quem as
pro'voca
quase toca
o fundo
onde jaz
o fruto
impensável in-
tratável
mudo
das palavras

 

 

 

 

agosto, 2006
 
 
 
 

BIOBIBLIOGRAFIA

maria do carmo ferreira,*38.
Cataguases, Minas Gerais.
Solteira, inclusive em livros
(perícia: engaveta inéditos).
Vaga em revistas/jornais.

 

 

Mais Maria do Carmo Ferreira em Germina

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