MANCHETE DE  2001

 

OBJETOS VOADORES

NÃO IDENTIFICADOS

SOBREVOAM A CIDADE

 

 

 

(eram duas borboletas)

 

 

 

 

 

 

*

 

a bandeira é verde

a banana é amarela

 

as duas palavras

começam com "b"

e terminam com "a"

 

o que há entre "a" e "b"

é assunto

de segurança nacional

 

 

 

 

 

 

*

 

pisei num caco de vidro

e saí pulando

 

pisei numa tábua com prego

e saí avuando

 

e avuando me enganchei

nas bananeiras

 

 

 

 

 

 

RECEITA

 

Ingredientes

 

dois conflitos de gerações

quatro esperanças perdidas

três litros de sangue fervido

cinco sonhos eróticos

duas canções dos beatles

 

 

Modo de Preparar

 

dissolva os sonhos eróticos

nos três litros de sangue fervido

e deixe gelar seu coração

 

leve a mistura ao fogo

adicionando dois conflitos

de gerações às esperanças perdidas

 

corte tudo em pedacinhos

e repita com as canções dos beatles

o mesmo processo usado com os

sonhos eróticos mas desta vez

deixe ferver um pouco mais e

mexa até dissolver

 

parte do sangue pode ser

substituído por suco de groselha

mas os resultados não serão

os mesmos

 

sirva o poema simples

ou com ilusões

 

 

(Do livro Restos Vitais)

 

 

 
 


 

 

*

 

subo aos céus

pelas escadas rolantes

da rodoviária de brasília

 

o corpo de cristo

aqui não é pão,

é pastel de carne

 

o sangue de cristo

aqui não é vinho,

é caldo de cana

 

o padroeiro desta cidade

é dom bosco

ou é padim ciço?

 

 

 

 

 

 

*

 

foi da mangueira do quintal

lá de casa que caiu a maçã

que fez newton descobrir

a lei da gravidade do mais forte

 

 

 

 

 

 

*

 

                       de grão em grão

                                 a galinha

                           enche o papo

 de palavra em palavra de palavra

em palavra de palavra em palavra

 de palavra em palavra de palavra

em palavra de palavra em palavra

 de palavra em palavra de palavra

           este poema enche o saco

 

 

 

 

 

 

*

 

o barulho subindo

as escadas

o barulho de você

subindo as escadas

meu coração disparando

a campainha tocando

 

não era cinthya,

era o síndico

 

 

 

 

 

 

*

 

naquela noite

suzana estava

mais W3

do que nunca

toda eixosa

cheia de L2

 

suzana,

vai ser superquadra

assim lá na minha cama

 

 

 

 

 

 

ACONTECEU NA 103

 

o porteiro do bloco i da 103 sul

pegou a filha do síndico do bloco

o da 413 norte com o cara do

302 do bloco d da 209 sul

dentro do carro do zelador do

bloco f da 314 norte

 

 

(Do livro Vinde a mim as palavrinhas)

 

 

 

 
 
 

 

 

 

 
 

*

 

     viva a poesia que liberta!

 

        viva a poesia que paga

    as contas no final do mês!

 

viva a poesia que não existe!

 

 

 

 

 

 

*

 

as meninas do shopping

têm peitinhos bonitinhos

 

elas têm os músculos

no lugar

 

quando morrem

os músculos

saem do lugar

 

 

 

 

 

 

AINDA BEM

QUE O TEMPO PASSA

 

                pra alcina

 

você se lembra? era neste quarto,

na casa dos seus pais,

que namorávamos ouvindo

joni mitchell e egberto gismonti

 

você era uma das ladies

of the canyon e eu o seu palhaço

 

hoje estamos dormindo neste

quarto novamente, com nossos

três filhos, nossa família

 

deus abençoe

a nossa família e a sua

 

 

 

 

 

 

AMORZINHO

 

         amorzinho me deixou

  amorzinho tem um defeito:

         não pode ver homem

 

 

 

 

 

 

*

 

prefiro a poesia que faz entrega

de pizza em domicílio

 

prefiro a poesia que pega fila em

banco e reclama da vida fudida

 

prefiro a poesia que a gente

entende ser fazer força

 

prefiro a poesia não-poesia

 

prefiro a poesia viva, ferida,

do deixa sangrar, que manda

à merda os literatos de versos

insossos, inodoros, insípidos,

incolores, inócuos

e inconseqüentes

 

sou mais eu e minha kombi

 

 

 

 

 

 

ACEROLA LOUCA

 

        pro chacal

 

troquei o poema pela ema

as palmas pelas palmeiras

as vaias pelas uvaias

 

eu faço poesia como quem brinca

de trocar tristeza por alegria

 

 

 

 

 

 

*

 

a outra não existe

a outra é a poesia

 

é tudo ficção

nada disso aconteceu

é tudo invenção

 

a amante distante

— ser fiel à amante —

esse amor que jorra

 

que distração

é tudo poesia, criação,

literatura, essas coisas

— pergunte pra adélia prado

 

não fique brava

 

é tudo piração, provocação,

ondas na arrebentação

meu coração, você sabe...

 

xícaras e pratos de verdade

voam em minha direção

 

é tudo ficção

 

 

 

 

 

 

A HISTÓRIA DE QUINZINHO

 

quinzinho era um louco que fazia

o trajeto montes claros-janaúba,

no norte de minas

 

pra alegrar suas caminhadas

construiu um caminhãozinho

de madeira, transportanto nele

várias mercadorias, todas vindas

de suas fazendas, dizia

 

gado, arroz, carvão, pequi e, mais

recentemente, soja. tudo muito

bem arrumado no seu

caminhãozinho de brinquedo

 

quinzinho morreu atropelado perto

de capitão enéas quando trocava

o pneu do seu caminhãozinho

no acostamento

 

 

 

 

 

 

*

 

a poesia fácil

 de vida fácil

 se entregou

       ao lápis

 

      a pen-is

 

 

 

 

 

 

DAS VANTAGENS DE SER CONFUSO

 

olhar e ver tudo torto, errado

das vantagens de ser incoerente

demente, temente, tenente, patente

das vantagens de ser repetitititititivo

das vantagens de ser livre, foda-se!

das vantagens de se fingir de morto

qual peixe na feira, olho aberto, parado

das vantagens de ser totalmente louco,

pirado, sem nenhum compromisso

com nada, escravo da mente,

sem consciência celular,

sem celular, sem a porra da

agenda, sem rima, sem nada,

só a loucura insana

a te emoldurar a alma

loucura — esta bela armadura

esta couraça intransponível

este colete à prova de tudo

 

e este poema, impiedoso

a te perfurar o coração

 

 

(Do livro Primeira Pessoa)

 

 
 
(imagens©thereza portes)
 
 

 

 

 

 

Nicolas Behr (Nikolaus von Behr). Poeta. Nasceu em Cuiabá, em 1958. Mora em Brasília desde 1974. Em 1977, lançou seu primeiro livrinho e best seller Iogurte com farinha, em mimeógrafo (8.000 cópias vendidas de mão em mão). Em agosto de 1978, após ter escrito Grande circular, Caroço de goiaba e Chá com porrada, foi preso e processado pelo DOPS por "porte de material pornográfico", sendo julgado e absolvido no ano seguinte. Até 1980, publicou 10 livrinhos mimeografados. A partir deste ano, passou a trabalhar como redator em agências de publicidade. Em 1982, ajudou a fundar o MOVE - Movimento Ecológico de Brasília, a primeira ONG ambientalista da Capital Federal. Em 1986, abandonou a publicidade para trabalhar na FUNATURA - Fundação Pró-Natureza, onde ficou até 1990, dedicando-se, desde então, profissionalmente, ao seu antigo hobby: produção de mudas de espécies nativas dos cerrados. É co-autor do livro Palmeiras do Brasil. Publicou ainda, entre outros, Viver deveria bastar (2001); Porque construí Brasília (2003); Menino diamantino (2003); Eu engoli Brasília (2004);  Restos Vitais, poemas de 1977/1979(2005); Vinde a mim as palavrinhas, poemas de 1979/1980 (2005); Poesília, poemas sobre Brasília, escritos de 1977/2001 (2005); Braxília revisitada - Vol. 1 (2005); Primeira pessoa, poemas de 1993/2001(2005); Umbigo (2006). É sócio-proprietário da Pau-Brasília Viveiro Eco.loja, casado desde 1986, com Alcina Ramalho e tem três filhos: Erik, Klaus e Max. Seu site pessoal: www.nicolasbehr.com.br
 
 
 
sou um poeta
sem eira nem beira
 
ninguém me chama
manuel bandeira