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Três mineiros. Três regiões natais distintas. Três saberes diversos. Uma trinca. Vem à memória o triângulo vermelho que estampa a bandeira de Minas Gerais e suas palavras eternas sobre a liberdade. Aquelas que o sonho humano alimenta, e que vivem bem forte nos corações e mentes dos três poetas. Um deles, Edimilson de Almeida Perreira, nasceu em Juiz de Fora, Zona da Mata. Subindo um pouco, chegamos em Formiga, Alto São Francisco, terra de Jovino Machado. Até lembra o itinerário de um trem que vai para Brasília, pois o terceiro, Wilmar Silva, é natural de uma cidade mais ao norte, Rio Paranaíba, região conhecida pelo nome do seu rio, grande produtora de milho. A nossa viagem faz um corte pelo mapa de Minas. Mas o trem tem uma estação, uma parada, um encontro marcado com o essencial: a poesia.

 

Juntos, publicaram mais de 30 livros. E todos com concepções sublimes sobre a poesia. Isso o leitor pode perceber nesta entrevista tricordial, realizada por e-mail. Um primeiro detalhe chama a atenção no período de contato com os escritores. Vale reportar isso aos "passageiros" do site. Um deles — Jovino Machado — respondeu as perguntas à mão. Ele, raramente, usa o computador. Também é esperar muito de um poeta que gosta de Blake, Baudelaire, Rimbaud, Cruz e Souza, e Roberto Piva. Em seus poemas, vale observar o diálogo fecundo que Jovino Machado, morando em Belo Horizonte, faz com os malditos da Literatura Universal.

 

Edimilson de Almeida Pereira é atravessado pela música. Atravessado pela cidade natal, onde mora. Sua poesia aproxima as imagens do Candomblé às do Surrealismo. Possui um swing especial. O interessante também são as articulações e os rituais na linguagem, que preservam um diálogo bem original com suas raízes africanas. É, aqui em Minas Gerais também temos negros, uai. Eis o entrocamento frutífero. Confirma mais uma vez as palavras de Guimarães Rosa: "Minas são muitas".

 

O caráter existencialista e, na sua essência, um diálogo com a ecologia e o reino da fauna e flora, está presente de maneira germinativa na poesia de Wilmar Silva. Convém lembrar que o poeta, também performer e editor, há mais de um ano é o curador do projeto Terças Poéticas, em Belo Horizonte, MG, onde reside com a família. Uma parceria que deu certo entre a Fundação Clóvis Salgado e o Suplemento Literário de Minas Gerais.

 

Pois bem, a entrevista tripla aborda treze pontos e suas interfaces, que dão pano pra manga: literatura, leitura, "Universidade do Escritor", educação, editoras, etc. A idéia inicial era entrevistar um poeta, um contista e um romancista. Como também sou poeta, fui vencido pela poesia. É claro, respeitando os outros gêneros. Da janela deste trem, vamos alinhavar esses treze pontos com as respostas, pensamentos e questionamentos, nas velocidades de três poetas premiados e que fazem a história aqui em Minas Gerais.

 

Ah, estava esquecendo de outra coisa, um outro trem: desejo a todos uma boa viagem, na companhia de Edimilson de Almeida Pereira, Jovino Machado e Wilmar Silva. Sugiro uma leitura calma, bem devagar: como bom mineiro. [José Aloise Bahia]

 

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1 | José Aloise Bahia -  Por que a poesia?

 

Edimilson de Almeida Pereira - Sempre me interessei pela possibilidade de testar os limites da linguagem. Antes de me aproximar desse fato na poesia escrita, aprendi a admirá-lo na poética oral dos rituais religiosos e dos cantos de trabalho, que presenciei na infância. Mais tarde, por motivos de estudo e pesquisa, reatei o contato com as poéticas orais vigentes no interior de Minas. É certo que a possibilidade de testar os limites da linguagem está em outras áreas de criação, mas para mim, o caminho mais estreito e mais agudo para apreendê-la foi e continua sendo o da poesia.

 

Jovino Machado - Porque foi a partir da poesia que eu encontrei o meu jeito de me comunicar com o mundo. Escrever poesia foi a maneira que eu encontrei para mostrar a minha visão da vida e da morte, do paraíso e do inferno, do amor, da dor, da solidão. Escrever poesia me permite dialogar com o teatro, com a pintura, com a música e com os grandes autores da literatura universal. Eu escrevo poesia porque eu não tenho dinheiro para fazer cinema.

 

Wilmar Silva - Porque a poesia é a vida. E a morte. A utopia enquanto linguagem.

 

 

2 | JA - Afinal, para que serve a poesia?

 

EP - Talvez para negar os comentários acerca de sua inutilidade, talvez para afirmar-se, ainda que não necessite informar-nos sobre a sua utilidade.

 

JM - A poesia é uma inutilidade. Felizmente não serve pra nada como dizia o cachorro louco. O papel da poesia é o papel da cor-lua da página, antes de esculpida em letra. É o papel em branco, desafiando o poeta na eterna busca da arte e da ciência, da beleza e da paixão. Como religião original da humanidade, a poesia tem o estranho poder de reinventar as nossas utopias, como o amor romântico e os sonhos de liberdade. Mistura de cálculos e acaso, ferro e fogo, corda e veneno, fado e bruxa, a poesia é a menina dos meus olhos. É a falta do infalável. A partir da poesia, Jovino Machado vive disfarçado de Jovino Machado. Eu escrevo poesia para agradar as mulheres bonitas e os homens inteligentes. A minha poesia é minha falsa biografia.

 

WS - A poesia serve de espelho para o ser humano e a sua natureza.

 

 

3 | JA - Panorama da poesia brasileira na atualidade?

 

EP - Penso numa espécie de campo poético brasileiro, atravessado por diferentes tendências. Entre conflitos e alianças, é possível detectar áreas em que o diálogo nasce da competição entre as tendências, e outras em que o desejo de saltar as fronteiras dessas tendências deixa os poetas livres para serem tão diversos quanto a própria poesia.

 

JM - Melhorou muito nos últimos 10 ou 15 anos com o aumento considerável de revistas, suplementos e jornais literários, mas a grande mídia só abre espaço para os poetas publicados por editoras de prestígio.

 

WS - Vamos ler Jersy Grotowski.

 

 

edimilson de almeida pereira | foto original de guilherme bergamini

 

 

 

4 | JA - A poesia é a "prima pobre" dos gêneros literários?

 

EP - Eu diria, por sorte, a "prima em febre" dos gêneros literários. Por conta desse estado, a poesia consegue absorver as ondas de conservadorismo e, ao arejá-las, desafia os poetas a não se fartarem do mesmo, da roda já inventada.

 

JM - A poesia é o patinho feio das artes.

 

WS - Poesia não é literatura.

 

 

5 | JA - Poetas essenciais numa boa biblioteca? Nacionais e estrangeiros.

 

EP - Não aprecio listas que fixam "o essencial" do mundo, das coisas, da arte, etc. Em poesia menos ainda. Além disso, gosto de pensar na biblioteca como um lugar móvel e capaz de comover. E, para que isso aconteça, ela precisa estar aberta às diferentes linguagens, aos diferentes poetas. Quem entrar nesse espaço, deve arriscar-se na busca dos poetas e da poesia que lhe falarem mais de perto. Esse gesto de liberdade, no entanto, só tem sentido se cria em nós uma capacidade de discernimento, com a qual separamos o trigo do joio em termos de ideologia, de poéticas e de referências estéticas.

 

JM - Dante, Homero, Virgílio, Camões, Fernando Pessoa, Drummond, Bandeira, Baudelaire, Rimbaud, Adília Lopes, Orides Fontela, Hilda Hilst, Luciana Tonelli, Antonio Cícero, Paulo Henrique Britto, William Blake, Nicolas Behr, Aroldo Pereira, Mônica de Aquino, Armando Freitas Filho, Chacal, Leminski, Ana Cristina César, Anízio Vianna, Wilmar Silva, Adriana Versiani, Flávio Boaventura, Camilo Lara, Geraldo Carneiro, Joca Terron, Renato Negrão, Florbela Espanca, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Augusto de Campos, Manoel de Barros, Mario Quintana, Ferreira Gullar, Arnaldo Antunes, Glauco Mattoso, Vera Casa Nova, Waly Salomão, Maria Rita Kehl, Luiz Edmundo Alves, Nelson Ascher, Paulo Leão, Sebastião Uchoa Leite, Gregório de Matos, Cruz e Souza, Lautréamont, Ezra Pound, Edimilson de Almeida Pereira, Torquato Neto, Maiakóvski, Rilke, Verlaine, Douglas Diegues, Haroldo de Campos, Claudio Willer, Roberto Piva, Cora Coralina, João Cabral de Melo Neto, Ricardo Corona, Prisca Agustoni e outros que não vou citar por falta de tempo.

 

WS – Poetas.

 

 

6 | JA - Livros de poesias essenciais numa boa biblioteca? Nacionais e estrangeiros.

 

EP - O que disse sobre os poetas vale em relação aos livros numa biblioteca.

 

JM - As Flores do Mal de Baudelaire, Uma Temporada no Inferno e Iluminações de Rimbaud, A Obra Completa de Fernando Pessoa, A Divina Comédia de Dante, Ilíada e Odisséia de Homero, Os Cantos de Maldoror de Lautréamont, Antologia Poética de Drummond, O Amor é Uma Droga Pesada de Maria Rita Kehl, O Poema Sujo de Ferreira Gullar, La Vie em Close do Paulo Leminski, Os Lusíadas de Camões, Eneida de Virgílio, O Retrato do Artista Quando Coisa de Manoel de Barros, A Estrela da Manhã de Manuel Bandeira, Morte e Vida Severina de Cabral e os livros dos poetas que estão na resposta da pergunta número cinco.

 

WS – Poesia.

 

 

7 | JA - Opinião sobre os concursos literários? Opinião sobre a poesia e o seu relacionamento com as editoras de portes médio e grande? Por que poesia não vende?

 

EP - Os concursos podem desempenhar um papel importante na revelação de novos autores e no reconhecimento do percurso de outros. Para isso, é necessário que deixem de ser vistos apenas como uma forma de lotear prestígio e recursos financeiros. Há uma função sócio-cultural compatível com esses certames, desde que sejam apresentados como sonares, através dos quais possamos refletir sobre as questões estéticas do nosso tempo.

 

Quanto à relação da poesia com as editoras e à questão de sua vendagem, talvez o problema resida no modo como pensamos sobre a poesia. As editoras se fixam no livro, objeto a ser distribuído. Este, sim, pode ser vendido em grandes ou pequenas escalas. Mas a poesia não é o livro, é algo maior. Às vezes, incapturável e, no entanto, tão presente em nossa experiência. Para ela não há como estabelecer tabelas de lucro e prejuízo; para a venda do livro, sim. Acredito que seria mais pertinente pensarmos na circulação da poesia como um recurso fundamental, entre outros, para compreendermos a realidade e para ultrapassá-la. O bem que se pode alcançar através da poesia deveria justificar uma mudança na maneira como as casas editoriais lidam com ela. Ou seja, mais do que produto de consumo, a poesia — no sentido mais largo de suas representações — se impõe como uma condição necessária para a constituição de nossa humanidade, ainda que isso nem sempre seja levado em conta.

 

JM - Certa vez escrevi para uma mulher por quem estava apaixonado: "Meu amor por ti é melhor que o 'Jabuti' / de fato seu amor é melhor que o 'Juca Pato'". Agora, sem brincadeira, o melhor prêmio é o Nobel. A Editora da Tribo de São Paulo tem publicado os meus poemas desde 2002. A agenda da Tribo já vendeu mais de hum milhão de exemplares em 15 anos. O relacionamento é muito bom e eles pagam direitinho os direitos autorais.

 

WS - Que revelem o júri nos regulamentos. E os concorrentes inscrevam as obras com os próprios nomes. Sem relacionamento. Poesia vende, sim.

 

 

8 | JA - A crítica da poesia contemporânea brasileira existe?

 

EP -  Tem sido lugar comum atacar os suplementos e a universidade como responsáveis pela ausência de uma crítica literária que dialogue com nossa poesia contemporânea. Os primeiros, por se limitarem à publicação de resenhas; a segunda, por investir no discurso sobre a própria crítica e o cânone literário. Em ambos os casos peca-se por se deixar de lado os aspectos criativos da obra poética e da reflexão crítica. Porém, mais do que chover no molhado, é interessante transformar essa carência em situação especulativa, ou seja, numa tentativa de apreender as razões que nos levaram a esse estado. O primeiro passo, tomo a liberdade de acreditar, está indicado na resposta anterior: se considerarmos a poesia como uma condição necessária para a constituição de nossa humanidade, algo mais do que o título de livro do ano ou o campeão de vendas, talvez se evidencie que é imprescindível desenvolver uma crítica literária disposta a dialogar com a poesia do agora. E vice-versa, já que muitos poetas trafegam também pelas vias da crítica. O diálogo entre poetas e críticos não precisa se restringir a concordâncias mútuas, nem a separações irreconciliáveis. Há recursos suficientes nos processos de criação poética e de crítica criativa que nos permitem alargar as fronteiras de compreensão dos territórios a que chamamos de história, cultura, sociedade, etc.

 

JM - Não, o que existe são resenhas, na maioria das vezes encomendadas pelas grandes editoras. Aqui em Minas Gerais, o meu trabalho já foi resenhado por Alécio Cunha, Maria Antonieta Pereira, José Aloise Bahia, Vera Casa Nova e Luciana Tonelli. Recebi elogios do Raduan Nassar, Carlos Herculano Lopes, Lya Luft, Joca Terron, Glauco Mattoso e Ana Miranda. (Nota dos Editores: A Germina publicou, na edição de março/2006, a resenha O Discurso da Difamação da Poeta, de José Aloise Bahia, sobre o livro Fratura Exposta de Jovino Machado. A mesma resenha saiu também, no princípio de 2006, no caderno Pensar do jornal Estado de Minas.)

 

WS – Não.

 

 

9 | JA - Como é o seu processo de criação poético? Do início ao fim.

 

EP -  Em geral, trabalho em mais de um livro de poesia, ao mesmo tempo. Paralelamente, redijo os ensaios sobre culturas populares rurais e cultura afro-brasileira. Por um lado, isso causa uma demora na conclusão das obras; por outro, me permite ser mais de uma persona através de várias linguagens. Procuro ter o domínio dessas linguagens já que, pelo menos na minha cabeça, é através delas que estou desenhando, intencionalmente, uma certa paisagem poética e uma certa paisagem de reflexões sobre a cultura brasileira.

 

JM - Flaubert disse certa vez que é preciso ler 200 livros para escrever um. Tento seguir o conselho na medida do impossível. Na verdade, não existe um processo definido, cada livro é uma aventura diferente. Vou ao cinema, ouço música, gosto de viajar e beber com os amigos; quarta e domingo assisto futebol com o meu pai e o meu sobrinho. Vivo e escrevo. Escrevo e vivo. O que faltar, a gente inventa. Li mais de uma centena de livros na época que escrevi o Fratura Exposta.

 

WS - A poesia é o meu sexo. E o poema, o orgasmo do meu desejo.

 

 

jovino machado

 

 

 

10 | JA - Líricos ou concretos? Os dois? Um dos dois? Ou nenhum? Excluem-se? Não se excluem? Dá liga?

 

EP - Se acredito que a poesia é linguagem em estado de tensão, não posso excluir os embates entre as diferenças. Mas, também, não posso excluir as possibilidades de diálogos entre elas. Por isso, considerar a poesia no limite da relação "líricos ou concretos" significa reduzir a própria poesia às lutas dicotômicas, enquanto há a sedução de múltiplas diferenças oferecendo-se nas fronteiras de tensão da linguagem.

 

JM - É claro que dá liga. Da mistura do lírico e do concreto surge o Concrelírico. Todos são importantes.

 

WS – Poéticas.

 

 

11 | JA - Suplementos, complementos e a divulgação da poesia no Brasil? A divulgação e a leitura da poesia no Brasil ainda são deficientes? Está ruim? Precisa melhorar? Sugestões? Sua opinião.

 

EP - Como deixei subentendido anteriormente, não penso a poesia apenas no livro, portanto, subordinada às regras da leitura, à venda dos volumes e ao tipo de divulgação apropriado para a poesia escrita. Esta, sim, amarga o descaso de gestores da iniciativa privada e de autoridades responsáveis pelos setores de difusão cultural. Em geral, buscamos em sociedade os elementos que nos fundam e nos ajudam a entender o que somos. Por isso, a filosofia, a história e a economia, por exemplo, são tão necessárias nesse processo. A poesia se instaura a partir de finalidades diversas da filosofia, da história e da economia mas, nem por isso, menos relevantes. A questão é: a poesia, hoje, nos interessa desde essa perspectiva? Se a resposta for negativa, insinuando que a poesia é passatempo, objeto sem mercado, artifício de artistas egocêntricos, então as medidas para "melhorar" sua recepção serão tomadas na mesma medida. Serão, quase sempre, medidas paliativas. Ao contrário, se a resposta for sim, se a poesia for apreendida como parte da teia de saberes sem os quais não nos organizamos, então ela será respeitada em sua multiplicidade de formas, de linguagens e de suportes. E terá lugar nos diferentes lugares para evidenciar os muitos que somos.

 

JM - É deficiente, porque o espaço ou é mínimo ou não existe na grande mídia. A minha produção já foi destacada em jornais e revistas de São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Brasília e Rio de Janeiro, mas nunca me publicaram no Suplemento Literário de Minas Gerais.

 

WS - Criar a disciplina "poesia".

 

 

12 | JA - Poesia na internet? Poesia em livros? Performances? Poesia Visual? Experimental?  Toda interface é bem-vinda para a poesia? Sua opinião sobre a "Faculdade do Escritor" no Brasil? É um avanço? Ou é desnecessário? Afinal, escritor é profissão que dá retorno? Vive-se de poesia ($)?

 

EAP - Todas as interfaces, sim, para a poesia, porque é a descoberta dessa pluralidade e o direito a ela que nos alertam sobre a relevância do fazer poético. Não basta cedermos ao canto de sereia das interfaces, a ponto de fazê-las sobressair como parte isolada do poético. É necessário irmos além, fazendo das interfaces novas expressões do poético.

 

Cada oficio possui suas características, quem deseja dominar um deles tem mais chances de ser bem sucedido se fizer o percurso de sua aprendizagem. No entanto, há aspectos em cada oficio que não dependem de uma aprendizagem didaticamente organizada. Há sempre o pulo do gato, a curva imprevista cuja decifração reclama o talento e a capacidade de invenção, às vezes, intransferível de uma pessoa para a outra.  Dentro de sua especificidade, o oficio de escritor nos pede humildade para aprender e ousadia para desaprender e arriscar um passo na vereda que muitos sequer imaginam existir.

 

Quanto a viver de poesia, há muitas maneiras de se viver dela. A financeira é a mais controversa, porque os rendimentos com a poesia (para quem os contabiliza) parecem sempre menores do que aqueles obtidos com outros gêneros. Mas acredito que se vive de poesia sim, porque desde a sua marginalização (sobretudo das poéticas que se rebelam contra o cânone literário) ela nos permite radicalizar o direito à pesquisa, à experimentação, e à liberdade de pensar, ultrapassando a realidade.

 

JM - A internet é uma imensa "Páginas Amarelas", onde milhões querem se promover, mas é um ótimo suporte para a poesia. Sobre a "Faculdade do Escritor", prefiro não opinar, porque não conheço o projeto, mas sei que está nas mãos de gente competente e bacana. A profissão de escritor dá retorno, se o livro vender muito. Alguns vivem de poesia, matando cachorro a grito e comendo o pão que o diabo amassou com o rabo. Grana de poesia se gasta na orgia.

 

WS - Sim. Sim. Sim. Sim. Sim. Sim. "Faculdade do Escritor", sim. Talvez. É. Sim. Talvez.

 

 

wilmar silva

 

 

 

13 | JA - Falta política pública para a literatura e o livro no Brasil? Ou, a literatura e o livro nada têm a ver com política? Quais diálogos são pertinentes, no momento, entre os autores, a literatura e os poderes públicos? A poesia brasileira é "bem tratada" no processo de formação escolar de uma pessoa no Brasil?

 

EP - Estas são antigas questões à espera de novos posicionamentos da parte dos poetas e dos setores públicos. Já se tornou um clichê a crítica à maneira como estes últimos lidam com a cultura, em geral, e com a literatura, em particular. Maneira que, salvo exceções, se restringe a medidas pontuais e não à construção de uma política cultural capaz de relacionar a reflexão sobre a importância sócio-político-econômica da cultura às medidas que resultam em eventos culturais. Nesse sentido, a construção dessa política não pode se limitar a uma administração, nem a um conjunto de leis de incentivo. Há que se estabelecer um investimento permanente em recursos humanos e materiais, vinculando numa vasta rede de interesses o aprimoramento do sistema escolar em todos os níveis, a responsabilidade social de empresas e cidadãos, a valorização dos agentes de formação cultural (dentre eles, e muito especialmente, os docentes do ensino fundamental), o estímulo ao diálogo entre escolas das redes pública e privada, o fomento a programas de redução dos custos da produção e venda de livros. Essas propostas, assim como outras, já são conhecidas, mas para surtirem efeito social necessitam de uma aplicação duradoura, que alie o reajuste de metas à manutenção das atividades bem sucedidas. Embora enunciadas como teoria, tais propostas podem se converter em procedimentos. Para tanto, e mais uma vez, é importante pensar a literatura não como um loteamento de privilégios, mas como um campo permeado pela mobilidade de idéias e ações importantes para a sociedade. A percepção desse fato talvez contribua para a criação de uma nova forma de diálogo entre os autores e os poderes públicos, entre a poesia e a escola. Ou seja, não há que se pensar a relação entre esses elementos a partir de um esquema de favores, mas de uma rede de solidariedades na qual a responsabilidade de cada setor se traduza no desenvolvimento do outro.

 

JM - Claro que sim, como em outros países. O governo deveria comprar as primeiras edições dos livros, e distribuir para as escolas. Seria muito bom também a criação de bibliotecas e incentivos fiscais para as editoras e livrarias. Os livros no Brasil estão cada vez mais lindos e mais caros.

 

WS - Falta. Têm. E é política. Todos. NÃO.

 

 

 
 
agosto, 2006
 
 
 
 
 

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Edimilson de Almeida Pereira é professor na Faculdade de Letras da UFJF. Publicou, em co-autoria, dentre outros, os livros de ensaio Ardis da imagem: exclusão étnica e violência nos discursos da cultura brasileira (2001), Flor do não esquecimento: cultura popular e processos de transformação (2002). Em 2005 publicou Os tambores estão frios: herança cultural e sincretismo religioso no ritual de Candombe. Sua obra poética reunida saiu nos volumes Zeosório blues (2002), Lugares ares (2003), Casa da palavra (2003) e As coisas arcas (2003). Editou, em 2005, Signo cimarrón. Em literatura infantil se destacam, dentre outros, Os reizinhos de Congo (2004, prosa poética), Histórias trazidas por um cavalo marinho (2005, prosa).

 

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Jovino Machado (Formiga-MG, 1963). Poeta. Graduado em Letras (UFMG). Publicou, entre outros, Trint'anos proust'anos (Mazza edições, 1995), Samba (Orobó Edições, 1999), Balacobaco (Orobó Edições, 2002) e Fratura Exposta (Anomelivros, 2005).

 

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Wilmar Silva (Rio Paranaíba-MG, 30/04/1965). Poeta, ator e performer. Vive em Belo Horizonte desde 1986. Publicou Lágrimas & orgasmos (1986, 2ª edição, 2002), Águas selvagens (1990), Dissonâncias (1993), Moinho de flechas (prêmio Jorge de Lima de poesia da União Brasileira de Escritores, 1994), Cilada (5ª edição, adaptado para o teatro por Geraldo Octaviano), Solo de colibri (prêmio Blocos de poesia), Çeiva (1997), Pardal de rapina (indicado por Alécio Cunha/jornal Hoje em dia, Belo Horizonte-MG, como um dos três melhores livros de poesia publicados em 1999), Anu (2001), Arranjos de pássaros e flores (finalista prêmio Cidade de Belo Horizonte e prêmio Academia Mineira de Letras, como um dos melhores livros de poesia publicados em 2002), Cachaprego (prêmio Capital Nacional Sociedade de Cultura Latina do Brasil, Aracaju, Sergipe, Brasil, 2004). Participa da Antologia da nova poesia brasileira (Org. Olga Savary), A poesia mineira no século XX (Org. Assis Brasil), Fenda — 16 poetas vivos (Org. Anelito de Oliveira). Organizou a antologia O achamento de Portugal (2005). Tem poemas publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais, Revista Dimensão (Brasil), Revista Apeadeiro (Portugal), poemas traduzidos e publicados nas revistas Jalons (França) Sìlarvs (Itália). Curador do projeto "Terças Poéticas".

 

 

 

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José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista e escritor. Autor de Pavios curtos (poesia, anomelivros, 2004). Participa da antologia O achamento de Portugal (poesia, org. Wilmar Silva, anomelivros/Fundação Camões, 2005), que reuniu 40 poetas mineiros e portugueses. Autor de Em linha direta (dissertação, no prelo).

 

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