©antonio lacerda
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 
 

André Seffrin: Costuma reescrever exaustivamente o mesmo texto (como Autran Dourado e Ariano Suassuna) ou escreve com espontaneidade e rapidez (como Lêdo Ivo e Moacyr Scliar)?

 

Suzana Vargas: Escrevo e reescrevo exaustivamente o mesmo texto quando ele é ficcional (poesia/literatura infantil). Quando estou escrevendo ensaios, a escrita sai mais espontânea, mais direta. No caso dos poemas, assombre-se: releio tanto que sei de cor todos os que publiquei. Não porque achasse que são "maravilhosos" mas por justamente trabalhá-los  à exaustão. Lembro sempre de um conselho de Mário Quintana (com quem privei algumas vezes) que uma vez me disse o seguinte: "trabalhe, trabalhe, trabalhe para que seu trabalho não apareça".

 

 

AS: Mesmo renegando o livro de estréia, Ferreira Gullar recentemente permitiu edição fac-similar de Um pouco acima do chão, de 1949. Como ele e tantos outros poetas, você renega o livro de estréia, pois em Caderno de outono e outros poemas (1997) não incluiu nada de Por um pouco mais (1979). Acha possível um dia permitir a sua reedição?

 

SV: Publiquei meu primeiro livro em 1979 com 24 anos . Era muito nova, não sabia bem o que significava editar um livro de poemas. Como escrevo desde muito cedo, reuni alguns textos, coloquei um título e tive a sorte de encontrar um editor, sorte de não pagar a edição, enfim, uma certa conjunção dos astros permitiu que eu lançasse Por um pouco mais. Sem querer fazer trocadilhos, faltava muito ainda para ter um livro pronto. Mas quando somos jovens, cheios de impulsos, não nos damos conta das coisas. Nunca deixaria que reeditassem esse livro pelo qual tenho muito carinho, mas não considero um livro pronto. Tudo mudou muito depois. Mas não renego todo o trabalho. Prova disto é que incluí alguns de seus poemas num livro infantil, o Cochicho.

 

 

AS:  Gosta de se reler?

 

SV: Às vezes, mas essa releitura me cansa e provoca em mim dois sentimentos: ou tendo a rejeitar/reprovar grande parte do que escrevi ou tendo a supervalorizar. Ainda não encontrei o equilíbrio. Talvez seja melhor não reler!

 

 

AS: Leitora assídua dos clássicos, em tudo que escreve você consegue camuflar essa face erudita, uma vez que sua poesia tem o sabor das coisas do mundo, e o que mais a atrai é sem dúvida o apelo do cotidiano. Nesse encontro de águas, onde cabem (como diria Eduardo Frieiro) os livros nossos amigos?

 

SV: Os livros estão espalhados em tudo o que escrevo. Considero que por trás de um grande escritor existe sempre um leitor maior ainda. Comecei a escrever poesia de tanto ler poesia. Você acaba querendo escrever seja para criar ficções ou para criticar, pensar os fenômenos com palavras. São muitas as leituras úteis ao escritor, tanto técnicas quanto ficcionais. Quando vejo, estou misturando tudo. Fiz um Mestrado em Teoria Literária, por exemplo. Mas a teoria só adianta para que eu melhore meu texto, aproxime mais as palavras dos significados que eu quis/quero dar inicialmente. Ajuda também a perceber qualidades e problemas num texto. Procuro ler de tudo um pouco, sobre tudo, sem preconceitos. E viver, não fugir da vida pela literatura. Quero mesmo é encontrar a literatura na vida. De tanto ler, você acaba encontrando às vezes, soluções literárias incríveis, definindo posições muito suas. Tudo o que escrevo ou faço tem um pouco este gostinho de invenção. Já fui muito ajudada pela literatura na minha vida pessoal. Outro dia, alguém comentou comigo uma dessas tantas tragédias que costumamos ouvir e eu me saí com Guimarães Rosa "o inferno era de repente". Pode?

 

 

AS: Na lírica amorosa, na intensidade com que você evoca o paraíso e a queda, sua poesia caminha na estrada real da melhor tradição de língua portuguesa. Que poetas, entre brasileiros e portugueses, estão mais intimamente ligados à sua obra?

 

SV: A poesia que li na minha origem fronteiriça era espanhola: Lorca, Rubén Dario, Antonio Machado e Juan Ramón Jiménez. Na minha casa havia umas antologias com traduções excelentes, traduções de Alphonsus de Guimarães , Bandeira e Machado de Assis. Nelas eu li Eliot, Baudelaire, Moliére, Rilke. Entre os brasileiros, Drummond, Bandeira, Gregório de Mattos, Castro Alves. Depois descobri os portugueses e os latinos (cheguei a dar aulas de Literatura Portuguesa e Hispano-Americana). Camões, Fernando Pessoa e os modernos como Alexandre O’Neil e Sophia de Melo Bryner. São tantos! Certamente estou omitindo inúmeras paixões como Murilo Mendes, por exemplo. Mas dentro do que escrevo, vejo muito nitidamente os poetas do cotidiano. É confuso pensar influências. Prefiro as confluências, como já disse o Quintana com quem me identifico muito, e com o Bandeira também.

 

 

 

 

 

 

 

AS: A Suzana Vargas prosadora, seja no ensaio ou em novelas para o público juvenil, escreve de maneira encantada, como quem ilumina palavras. Na oficina do poeta, prosa e poesia fluem no mesmo canal e com a mesma intensidade?

 

SV: Por trás de uma boa prosa existe sempre o fio da poesia, porque poesia é criação. Se a prosa é criativa, estamos diante de um bom texto. Daí que a poesia está em tudo, creio. Mesmo em trabalhos que exijam um certo rigor ou, mesmo, sejam de natureza técnica, objetiva quero que sejam atravessados pelo que existe de poético, de criador. Senão, estou perdendo tempo... Gosto de fazer as coisas pela paixão de realizar. Tenho impulsos muito semelhantes quando vou idealizar algum projeto. Quero que seja entendido no que tem de criativo e pluridimensional. Desse modo, tudo flui com muita intensidade e entrega.

 

 

AS: Em O amor é vermelho, você se refere à poesia como "breve hospício particular". Poesia como catarse ou poesia como oração?

 

SV: Como oração. Quero sempre rezar melhor. O que significa ter consciência de cada palavra empregada, de seu alcance estético, seu alcance em significação. Quero sempre poder vislumbrar as razões que me levam a escrever dentro da maior sinceridade possível. Uma sinceridade comigo mesma que nem diz o pai a Horácio (do Shakespeare/Hamlet): "Sê sincero contigo mesmo, e disso se seguirá, como o dia segue a noite que não poderás ser falso com ninguém". Quanto ao hospício particular, cada um desenvolve uma loucura própria e administra com o que e como quiser. Meu hospital de não enlouquecer é a poesia!

 

 

AS: Algum novo livro em andamento ou no prelo?

 

SV: Um livro de poemas sendo feito muito vagarosamente (demoro quase sempre uns 8 a 10 anos...) e três infantis por publicar. Este ano sai, ainda, a 7a edição revista e aumentada do  meu ensaio Leitura: uma aprendizagem de prazer (Ed. José Olympio).

 

 

 

 

agosto, 2006

 

 

 

 

 

 

 

 

Suzana Vargas é gaúcha, de Alegrete. Poeta, autora de Literatura Infantil  e ensaísta com vários títulos publicados. É Mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde cursou Letras. Trabalha como pesquisadora na Fundação Biblioteca Nacional e é coordenadora de cursos na Casa da Leitura. Ministra oficinas de Poesia e Leitura em universidades e entidades culturais em todo Brasil. Idealizou e coordena o Projeto Rodas de Leitura e o espaço Estação das Letras, oficinas de leitura e escrita. Tem poemas traduzidos na Itália, nos Estados Unidos, Argentina, Espanha e na Alemanha.

 

Possui, entre poesia, literatura infantil e ensaio, 15 livros publicados:

 

Poesia: Por um pouco mais (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979); Sem recreio (Rio de Janeiro: Achiamé, 1983); Sempre-noiva. (Rio de Janeiro. Achiamé, 1984); Sombras chinesas. (São Paulo: Massao Ohno, 1990); Caderno de Outono e outros poemas (Rio Grande do Sul: Edunise, 1997); O Amor é vermelho (Rio de Janeiro: Garamond. 2005).

 

Literatura Infantil: Será sonho, Frederico? (Rio de Janeiro: Orientação Cultural, 1987); Doce de casa. 2ª edição (Rio de Janeiro: Record,1988); De olho no piolho (Rio de Janeiro: Orientação Cultural, 1990); Cochicho. 4ª edição (Rio de Janeiro: José Olympio, 1995); O mistério de nina (Rio de Janeiro: Imago, 1993); Doce de casa. 2ª edição (Rio de Janeiro: José Olympio, 1995); O livro dos quase-amores (São Paulo: FTD/Quinteto, 1995); Porta a porta — correspondência (São Paulo: Saraiva, 1998).

 

Ensaio: Leitura: uma aprendizagem de prazer. 3ª edição (Rio de Janeiro: José Olympio, 1997).

 

Saiba mais na  Agência Literária BMSR (Autores/ Suzana Vargas) e na Estação das Letras.

 

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André Seffrin é crítico literário e ensaísta. Atuou em jornais e revistas (O Globo, Jornal do Brasil, Última Hora, Jornal da Tarde, Gazeta Mercantil, Manchete, EntreLivros etc.), escreveu prefácios e ensaios para edições de autores nacionais e organizou, entre outros livros, o Dicionário de pintores brasileiros de Walmir Ayala (Curitiba: Editora da UFPR, 1997), a Antologia poética de Foed Castro Chamma (Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001), as novelas O desconhecido e Mãos vazias e O enfeitiçado, Inácio e Baltazar de Lúcio Cardoso (São Paulo: Civilização Brasileira, 2000/2002), os Contos e novelas reunidos de Samuel Rawet (São Paulo: Civilização Brasileira, 2004) e Melhores poemas de Alberto da Costa e Silva (São Paulo: Global, no prelo). Também escreveu ensaios biográficos para edições de arte: "Roberto Burle Marx" (1995), "Joaquim Tenreiro: artista e artesão" (1998) e "Sergio Rodrigues se recorda" (2000).

 

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