©alair gomes | leonardo fróes aos 18 anos
 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

Como escritor, devo ser uma mistura de muita intensidade nas experiências vividas com muita aplicação nas leituras, nos estudos metódicos que sempre fiz. Isso posto, cabe dizer que a integração com a natureza, o hábito de entrar numa pedra, ou numa árvore, ou no seio de um morro, ou nas tramas da água, que é o elemento no qual mais me dissolvo, é hoje parte absolutamente normal do meu cotidiano. Não me sinto separado do todo, não estou em conflito nem à deriva: sou um elo, apenas um elo, um pingo, um ponto, um nada, um momento passageiro, na maravilhosa corrente da grande mágica.

 

 

Leonardo Fróes

A Vida Inclassificável

Germina, março de 2006 

 

 

 

 

 

 

 

Poetas, seresteiros, namorados: correi!

 

"Mais que poemas vibrantes, cheios de vida e originalidade, plenos e luminosos como um fruto maduro, pude aprender a decência que rege esses versos, o dono dessa ventania harmônica de erudição e simplicidade. Leonardo Fróes não circulou nos movimentos da onda, não freqüentou as antologias badaladas, nunca esteve na moda porque optou pelo mato, não procurou fama, aplauso, mídia, dinheiro. Recolheu-se em Petrópolis e despiu-se de toda ambição que pudesse agredir seus valores, moldado por uma necessidade pura e intensa de integração ao mundo natural. Preservou-se um poeta essencial, poeta desde a alma, em todos os gestos, poeta que carrega a cabeça erguida, caminha lépido e tem bom fôlego, é montanhista amador e andarilho profissional. Acorda cedo, toca as plantas com curiosidade, cheira a flor se necessário ou atraente. Não resiste a cachoeiras. Não tem medo de água fria. Na tradução, interessa-se por pedreiras como Faulkner e Malcolm Lowry. Sua poesia, vencedora do Prêmio Jabuti em 1996, agrada quem é do ramo, mas ainda é pouco divulgada. "Poetas, seresteiros, namorados: correi!" Entrem nas livrarias e exijam um dos melhores poetas brasileiros contemporâneos. Depois subam a serra! No beco sem saída do Machado de Assis, sob um frondoso jasmim-manga, um jovem de cabelos nevados os receberá falando de um trabalho qualquer das formigas na tarde anterior. E mudará para sempre suas vidas".

 

[Ricardo Lima, em A Fábula da Cebola, Revista Azougue, n. 8, 2003]

 

 

 

O Jovem | Dos Cabelos Escuros aos Nevados. Das Letras ao Mato

 

Leonardo Fróes vive recolhido à região de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, desde 1971, ano em que se tornou pioneiro das preocupações ecológicas, ao lançar, no Jornal do Brasil, a coluna "Natureza", logo seguida por sua coluna "Verde", no Jornal da Tarde,  de São Paulo. Morando longe, Leonardo circula pouco.

 

 

 

 

A virtude, no caso, é da geografia, e não minha. Fiquei de fora porque moro longe.  Mas de que vale, para um poeta, ficar de dentro? Que grandeza há nisso? Essa questão de marketing pessoal eu simplesmente não vejo, não entendo, não me interessa, não me diz respeito. Sou apenas um modesto escritor que tenta realizar seu trabalho, não sou marca de sabonete para ficar me exibindo. É verdade que sinto uma imensa gratidão pela vida quando alguém compra um livro meu. Mas eu, pessoalmente, nunca estive nem estou à venda. [...]

 

Sempre ocupado com meus trabalhos, meus estudos, minhas plantações, minhas constantes invenções de moda, porque não gosto de estar à toa, vivo muito distante, muito desligado do meio literário, nunca sei muito bem o que acontece por lá. Aquilo, para mim, é um outro mundo, cujas razões ou desrazões desconheço.

 

 

Leonardo Fróes

 A Vida Inclassificável. Germina, março de 2006

 

 

 

 

Circula pouco e trabalha muito. Desde 1960, Leonardo desenvolve uma atividade intensa e ininterrupta, tendo dado à sua condição de escritor diversas faces: como tradutor, editor, ensaísta, jornalista, enciclopedista, conferencista e estudioso das questões naturais.

 

Sua primeira obra apresentada ao público, ainda na adolescência, foi a peça A mulher de Gravata, montada por Paulo Afonso Grizolli, em 1959, no Teatro da Maison de France. Por essa época, quando estudava na Escola Nacional de Belas Artes, fez crítica de arte em dois jornais já extintos, o Diário de Notícias e o Hoje — neste, também foi secretário de um suplemento cultural que circulava aos domingos — e foi  um dos fundadores e segundo diretor, sucedendo o pintor Eurico Abreu, da Galeria Macunaíma, que então pertencia aos alunos da ENBA. Logo a seguir, foi assistente do Departamento  de Arte da revista Senhor, em sua primeira fase.

 

Em 1962, com 20 anos, trabalhava na Editora Delta e continuava os estudos na Escola Nacional de Belas Artes, quando, a convite,  imigrou para Nova York, para trabalhar como Jr. Assistant Editor na editora Appieton Century Crofts (com produto direcionado ao mercado americano: dicionários inglês-português e português-inglês). De lá, seguiu para a Europa, fixando-se, principalmente, em Paris e Berlim, onde fez curso de alemão, mas sempre viajando muito, norteado por duas preocupações básicas: a aprendizagem de línguas e o estudo da história da arte.  

 

 

 

 

A pintura é um capítulo especial na minha vida. A arte que eu mais admiro é a pintura. [...] Eu passei os meus anos de aprendizado na Europa como rato de museu, não saía de dentro deles, era o primeiro a chegar, logo que as portas abriam, e o último a sair. Eu sempre gostei muito de pintura, mas nunca quis ser um artista plástico. Só fui fazer porque queria ser historiador da arte. Quer dizer, trabalhar com artes plásticas, mas já tendo como instrumento a palavra. Não chegava a ser um sonho, mas era meu projeto de vida naquele tempo. Na verdade, eu estava querendo encontrar uma profissão, todos os meus amigos já estavam encontrando as suas, iam ser diplomatas, médicos, engenheiros. E eu queria ser poeta, escritor, e sabia que não poderia viver disso. Então, pensei que o meio auxiliar para viver, que mais me agradava, seria me dedicar à História da Arte.  [...]

 

O engraçado era que queria ser poeta, mas, naquele tempo andava muito mais com pintores do que com escritores. Na verdade, não consigo me lembrar de nenhum amigo, daquela época, que fosse escritor. Eu comecei a trabalhar num jornal como crítico de artes plásticas. E tinha uma batelada de amigos artistas plásticos. Vivia dentro de ateliês, vendo-os trabalhando, misturando tintas, fazendo gravuras, e isso foi muito importante para a minha formação.

 

Leonardo Fróes

A Fábula da Cebola. Revista Azougue, n. 8, 2003

 

 

 

 

De volta ao Brasil, no final de 1966, foi editor-chefe de Editorial Bruguera, pelo qual lançou, na coleção Livro Amigo, autores como Stendhal, Zola, James Hogg, Gide, Balzac, Dom Francisco Manoela de Mello e Lúcio Cardoso, em edições populares, vendidas a baixo preço, nas bancas.

 

 

 

 

Foi uma experiência ótima. Editava muita bobagem, os chamados livros vendáveis, que toda editora acaba publicando, mas também muita coisa boa, que eu decidia por minha conta e risco. Livros de Stendhal, Balzac, Virginia Woolf, André Gide, Thomas Mann, James Hogg, Lucio Cardoso, Dom Francisco Manuel de Melo, Defoe, para dar alguns exemplos. Muitos saindo pela primeira vez no Brasil. Além disso, toda a equipe editorial foi contratada por mim, e assim era um grupo ótimo, de pessoas legais e inteligentes, todos bem jovens e muito amigos. Foi por essa época, sim, que comecei, pouco a pouco a traduzir, até que isso se tornasse rotina, depois que vim para Petrópolis, e passei a viver, por muitos anos, apenas de traduções e colaborações em jornais.

 

Leonardo Fróes

A Vida Inclassificável. Germina, março de 2006

 

 

 

 

Também foi redator de várias enciclopédias, entre elas a Mirador Internacional e a Novíssima Delta-Larrousse. Ao mesmo tempo, retornou à atividade jornalística, que prossegue até hoje.

 

Duas vezes, foi preso pelo DOPS, mas se escondeu da ditadura, no mato. Foi então que descobriu que o mato era bom. Tão bom, que acabou se mudando para lá.

 

 

 

 

Eu saí do Rio de Janeiro porque estava muito opressivo. [...] Além disso, eu estava mergulhando em outro tipo de experiência, a contracultural, e aquela vida urbana começou a não fazer mais sentido para mim. Então, parti para Petrópolis sem avisar ninguém, e fui morar numa casa, no meio do mato, sem água nem luz. Só eu e a minha mulher. Alguns anos depois, lancei um livro de poesias que, no título, brincava com isso, de ter sumido sem falar com as pessoas, "Esqueci de avisar que estou vivo". [...]

 

Antes eu era um rapaz sofisticado, vindo de Nova Iorque, Paris, Berlim, cheio de cachos preciosos na mente e, talvez, um pouco metido a besta. Aqui, fui me tornando cada vez mais simples, mais espontâneo, mais natural, e é claro que isso deve se refletir na poesia, que afinal é um espelho da alma. Eu queria e quero ser um homem comum, como os que vejo pela rua e admiro, em suas diferenças às vezes tão engraçadas...

 

      Leonardo Fróes

A Fábula da Cebola. Revista Azougue, n. 8, 2003

 

Em qualquer cidade grande, sempre me sinto, até hoje, um outsider. Gosto dos lugares mais simples e das pessoas do povo, não gosto das riquezas do mundo nem das supostas sofisticações complicadas. [...]

Leonardo Fróes

A Vida Inclassificável. Germina, março de 2006

 

 

 

 

 

É nisto que dá viver no mato  |  Algumas Conseqüências

 

 

 

 

Eu não sei mais o que sou eu e o que é a natureza. Acho que eu sou a natureza, ou a natureza me é. A minha imersão é tão grande, e já são tantos anos que eu vivo no meio das árvores, animais, dos rios e das montanhas, que não tenho mais essa noção que sou uma coisa distinta deles. Que a natureza é outra. Acho que eu sou parte disso, sinto isso de uma maneira carnal, corpórea. Muitas vezes, por exemplo, diante de uma árvore, não sei mais quem é árvore, quem é homem. É aquela famosa história do Jung, de Memórias, sonhos, reflexões, um livro primoroso, em que ele fala que, quando menino, ele costumava sentar em cima de uma pedra. E ficava horas, ali, meditando. E chegava uma hora que ele não sabia mais se ele era um menino sentado numa pedra meditando, ou se era uma pedra embaixo de um menino pensando. [...]

 

São já trinta anos que estou enfiado no mato. Vira e mexe, estou na mata. E a mata, você não enfrenta impunemente. Ela mexe com a sua cabeça de uma maneira escandalosa, e você nunca mais volta a ser a mesma pessoa. Então, aquela pessoa jovem que há trinta anos escreveu seu primeiro livro, que era um rato de museu, um rato de biblioteca, um poeta muito livresco, quando chega na mata vira outra coisa. Ele cai em outra dimensão. Não rejeito a minha experiência literária, até hoje sou um grande leitor, muito dedicado à literatura. Mas, hoje, convivo com esses dois personagens numa boa.  [...]

 

Hoje, eu acho que as duas experiências, a de estar em um museu e a de estar na mata, são importantes pra mim. Quanto mais coisas você vive, melhor. Porque se você ficar só na mata, você vai virar um bicho estranho, talvez quase impossível para o convívio social. Se você ficar só no museu, você vai ser só um chato, um pedante distante da vida. [...]  A sua vida toma um outro sabor, a verdade é essa. Você pode ser um escritor, uma pessoa que tem seus momentos de gabinete, de estudo, de reflexão, e ser uma pessoa cheia de experiências na vida. 

 

      Leonardo Fróes

A Fábula da Cebola. Revista Azougue, n. 8, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Muitos não irão passar, agora, pelo que passei. Conheci a poesia de Leonardo Fróes tardiamente, apenas quando o livro de poemas "Argumentos invisíveis" veio a público, em  1995. A perfeição, o impacto e a densidade de poemas como "Ao sonhador, o inveterado", "Introdução à arte das montanhas" e "Dia de dilúvio", dentre outros, arrebataram-me como poucas vezes acontece. Desde então, contatei amigos que teriam um outro livro do poeta, consultei bibliotecas, tirei cópias, bati pernas para ter acesso à poesia anterior de Fróes, toda esgotada até a presente edição e, por isso, restrita a um grupo de leitores privilegiados. Fui descobrindo uma rede subterrânea, pessoas que o admiravam silenciosamente, que sabiam seus poemas de cor, que emprestavam seus livros umas às outras e que os guardavam como companheiros necessários para a aventura chamada vida.

 

 

Alberto Pucheu

Na Poesia Vertiginosa de Leonardo Fróes. O Globo | Prosa e Verso, 06.02.1999

 

 

 

 

"Leonardo Fróes construiu, desvinculado de quaisquer grupos, uma obra que segue um percurso muito pessoal e que passou por diversos estilos, chegando agora, em Chinês com Sono (Rocco), a uma linguagem de limpidez e clareza que abraçam, sem esforço, o mistério. É um dos mais importantes poetas brasileiros dos últimos 30 anos". Dirceu Villa

 

"Lírica da suavidade, da água da pedra e da filosofia pura que vem da observação. O autor é discreto, não vive a insegurança da vaidade, não apela para terceiros para encontrar as localidades insuspeitas do idioma (...) Pureza no tema e malícia lúdica na fala, transitando do trivial ao maravilhoso. Seus versos são contos versificados, visuais e cromáticos, adquirindo o tempo do espaço". Fabrício Carpinejar

 

"Leonardo Fróes escreve poesia como quem conversa". Ivan Junqueira

 

"Preservou-se um poeta essencial, poeta desde a alma, em todos os gestos, poeta que carrega a cabeça erguida...". Ricardo Lima

 

 

 

 

 

Nunca entendi muito bem a distinção que se faz entre poesia e prosa. Para mim, tudo é texto, são palavras da alma. Por muitos anos, meus versos se alongaram até encher toda a página, mas agora estão voltando a encolher, como se eu mesmo fosse diminuir de tamanho, com a passagem do tempo. [...]

 

Publico pouco, a longos intervalos, e jogo fora sem pena tudo que não parece essencial no momento. Preciso sofrer uma transformação, pessoal ou estilística, para achar que é necessário mostrar o que estou fazendo. Creio que há sempre em minha obra, de livro a livro, uma mudança radical de voz e forma, e é com isso que eu aprendo a meu próprio respeito. Não sugiro, porém, que outros façam assim. Cada autor deve saber, porque o próprio trabalho indica, o que é que mais lhe convém. Muitos precisam se aprofundar na mesma linha para aperfeiçoar o que dizem. Tudo, por esse prisma, pode ser salutar. O importante é ser autêntico. É tentar ser sincero, sem ceder a pressões externas.

 

Leonardo Fróes

A Insignificância Perfeita de Leonardo Fróes, Revista Agulha, n.38, 2003

 

As coisas, para quem quer seguir seu próprio caminho, sem se deixar contaminar por modismos, nunca são fáceis. Mas isso é parte do jogo e o faz, até, engraçado. Agora, uma verdade é que rótulos não me dizem nada. Levá-los a sério e querer aplicá-los, a meu ver, é sinal de entendimento limitado e pura perda de tempo. A vida é inclassificável, as coisas estão mudando sempre...

Leonardo Fróes

A Vida Inclassificável. Germina, março de 2006

 

 

 

 

 

Sua estréia, publicando poesia, aconteceu com Língua Franca (Rio de Janeiro: Edições de Ensaio, 1968), seguido por A vida em comum (Rio de Janeiro: Edições de Ensaio, 1969), Esqueci de avisar que estou vivo (Rio de Janeiro: Artenova/INL, 1973), O anjo tigrado (Petrópolis: Gráfica Santa Mônica, 1975) e Sibilitz (Rio de Janeiro: Alhambra, 1981),  Assim (Petrópolis: Xanadu, 1986), Argumentos Invisíveis (Rio de Janeiro: Rocco, 1995), Vertigens, obra reunida, incluindo o inédito Quatorze quadros redondos (Rio de Janeiro: Rocco, 1998); Contos Orientais (Rio de Janeiro: Rocco, 2003); Chinês com Sono | Clones do Inglês (Rio de Janeiro: Rocco, 2005).

 

 

 

 

Eu nunca tive uma reflexão teórica prévia ao poema, a não ser esta que eu mencionei agora há pouco, de acreditar que eu tinha que continuar com a tradição de escrever com palavras, em versos. Porque se tivesse que fazer qualquer outro tipo de manifestação, poemas gráficos ou coisa do tipo, então aprenderia a pintar, que era uma coisa que acreditava que poderia fazer. Então, esse era o único postulado teórico. Eu sempre escrevi, e até hoje é assim, por impulso, da maneira mais espontânea possível.

 

                                     Leonardo Fróes

A Fábula da Cebola. Revista Azougue, n. 8, 2003

 

 

Não tenho métodos. Vou escrevendo, às vezes a longos intervalos, e, quando tenho um número determinado de poemas, junto-os, boto um título e o livro fica pronto. A única exceção a essa regra foi A vida em comum, meu segundo livro, de 1969, onde fiz uma seqüência mais planejada, com poemas que sempre têm a mesma estrutura [...]

 

 

Leonardo Fróes

 A Vida Inclassificável. Germina, março de 2006

 

 

 

 
 
 

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