Ricardo Domeneck: Você é tradutor de Ezra Pound, poeta da primeira geração modernista que ajudou a redefinir em que termos os poetas de sua época se relacionariam com o passado e a tradição. Sua intimação ao MAKE IT NEW segue com validade do respaldo crítico, pouco antes de completar um século de brado, deste poeta que, no entanto, não deixou de buscar em poetas do passado e em outras tradições e línguas os parâmetros de renovação. De que maneira você acredita que um poeta que começa a publicar hoje pode relacionar-se com o que se convenciona chamar de "a sua tradição"? Exigência de filiação? Arcabouço de ferramentas? A tradição obedece a fronteiras nacionais? Lingüísticas?
Dirceu Villa: Pound propôs explicitamente o modo implícito dos poetas se relacionarem com a tradição e gerou alguns exemplos práticos, o que torna as coisas mais simples ou mais duras para os que vieram depois. Minha opinião é a de que ele realmente tirou muito obstáculo do caminho, era um sujeito muito prestativo, o Pound.
A tradição deveria ser sempre entendida como uma dupla via: chega ao novo poeta de um jeito e ele a deixa de outro; porque a gente está falando dos que fazem a coisa com um mínimo de interesse, e daí a tradição também é transformada após o poeta ter sido transformado por ela.
Tradição não é a velharia, é o que está vivo, ou "o novo que permanece novo", como o próprio Pound escreveu. O que é popular é o que está vivo? Ou o dramaticamente impopular, o maldito? Não, na verdade. Vivo é aquilo que sobrevive à sua popularidade ou à sua obscuridade. Camões sobrevive à sua popularidade. Sá de Miranda sobrevive facilmente à sua obscuridade. A maior parte do que é popular apodrece num piscar de olhos, atende apenas a uma demanda imediata, serve um gosto acomodado, assim como muita esquisitice é gratuita, grito de desespero para pertencer ao novo.
E você mencionou um negócio importantíssimo: tradição não obedece fronteiras. Ler, por exemplo, Memórias Póstumas sem saber do Tristram Shandy é uma coisa, e é outra bem diferente, sabendo. Mesma coisa se o leitor percebe a tradição voltairiana por trás do humor maligno do Machado de Assis, que remonta depois ao Luciano de Samósata, pega um pouco da argúcia de Shakespeare, etc.
Os melhores autores não são preguiçosos que ao ler morrem de tédio, num esquema lição de casa: são curiosos, normalmente descobrem uma porção de coisas úteis e belas em outras línguas, desenvolvem certos aspectos, inventam outros, e assim por diante.
RD: Sua menção a Machado de Assis leva-nos a um dos autores brasileiros que pareceu melhor compreender as possibilidades de inserção do intelectual brasileiro em um contexto internacional. Seu ensaio "Instinto de nacionalidade" segue tendo validade, e ainda funciona como uma de nossas melhores lições. Ezra Pound intuiu que períodos de grande criação literária são muitas vezes precedidos por períodos de intensa tradução. Não se acusa Aleksander Blok por praticar técnicas simbolistas nascidas no ocidente. Se o futurismo surge na Itália, é na Rússia que ele parece assumir sua maior relevância. Eu me pergunto se o modernismo brasileiro nos desviara do rumo proposto por Machado de Assis, ainda que tenhamos a saudável intervenção de Oswald de Andrade. Mais tarde, tudo isto foi relido de diversas maneiras, desde artistas plásticos como Helio Oiticica e Lygia Clark a outros, como Caetano Veloso e Glauber Rocha. Você crê ser possível a criação de parâmetros críticos internacionais, universais, ou a noção de uma "world literature" cai mais uma vez em armadilhas de hegemonia política e econômica e, conseqüentemente, cultural?
DV: Machado de Assis vivia deslocado num país incapaz de compreendê-lo (como Poe, nos EUA), e o fato de não ser compreendido lhe deu alguns de seus aspectos estilísticos mais notáveis, o humor cáustico, o tom sutil de condescendência do narrador em relação aos leitores. Ele exemplifica bem o que significa ser um grande escritor ou poeta no Brasil, ainda hoje (digo isso, obviamente, como poeta moi-même). A tendência é que um grande autor passe quase despercebido — veja o caso do Sousândrade, que, na minha opinião, é de longe o melhor poeta brasileiro — ou aclamado por uma superficialidade atroz.
O que eu penso é o seguinte: mesmo Machado (e não poderia ser de outro modo no século XIX) tinha um ponto de vista que ainda pressupunha a idéia de colônia. Não dava para evitar, e então o ridículo que ele próprio percebia em se chamar "império" a esse elefante com coroa de boneca. Os modernistas e tropicalistas ainda me parecem presas de uma idéia regressiva de medir tudo por esse diapasão, mesmo quando sugerem uma convergência e uma mistura, porque a mistura significou pegar elementos estereotipados de nacionalidade e vestir de ultramoderno. Convenhamos, funcionou, mas é uma coisa bem limitada. É limitado, assim como o realismo mágico, vira um cacoete.
Gilberto Freyre tinha isso também, mas de um outro jeito que, para mim, é esteticamente imprestável e é a base do Jorge Amado, por exemplo. O fim do século XX, suponho e espero, temperou toda essa história no saudável cum grano salis do ceticismo. Os centros metropolitanos se parecem muito, mesmo entre países diferentes, e são muito diferentes, às vezes, de cidades próximas a eles. A flexibilidade do acesso à informação tornou instantânea a absorção de certos padrões e de uma percepção do mundo semelhante, digo, no nível estrutural: no detalhe, as particularidades.
A mistura como definição da cultura brasileira virou portanto um clichê, perdeu a força e a necessidade e passou a rótulo para vender world music pra gringo. Aliás, está mais do que na hora de ouvir atentamente músicos como Itamar Assumpção como um antídoto contra esse excesso de recurso à Tropicália: o humor anárquico e a gramática peculiar das letras dele, a música difícil e ao mesmo tempo hipnótica já está mais do que em tempo de se tornar um núcleo de maior interesse. Mesmo porque é insuportável de trinta e trinta anos repisar a estética romântica e pretender fundar o Brasil de novo.
E o Machado, naquele texto, ainda tem um modo de apresentar sua leitura muito colado ao que o escritor diz, e não ao como. Tem um pendor romântico como crítico (que não teve depois como escritor) de reforçar o lado folclórico e típico para estabelecer o "nacional". Isso ainda acontece atualmente, e é um dos motivos da enorme dificuldade de se separar o que presta do que não presta. Poucos têm idéia do que significa ler num sentido de pôr forma e conteúdo juntos. É uma crítica da "mensagem" que raramente considera o "meio", e que dificilmente põe o nacional em comparação com o internacional, para uma avaliação criteriosa de qualidade, capacidade de invenção, amplitude de meios, etc. O meio literário ainda se comporta como província, fazendo uma festa no arraial para o poeta meramente razoável, mas que a gente acha que é o crème de la crème.
Um impasse elementar, mas o que a crítica ultimamente tem dito tem a ver apenas com uma vaga "visão de mundo". E visão de mundo — é até uma tautologia ridícula — todo mundo tem, poeta ou não. O que faz diferença é o como, e uma vez que a crítica em geral está com uma dificuldade enorme de agrupar alguns critérios, ela não sabe mais o que de fato está acontecendo em poesia hoje, e fica tateando, seguindo o diagrama incongruente e absurdo das publicações no Brasil para tentar nomear uns autores que importariam. É um negócio muito melancólico de se ler.
O desafio hoje é superar o estágio antropofágico, concretista e troplicalista, partes de um mesmo ideograma na apreensão da arte brasileira, e que pertenceram às mudanças necessárias do século XX. O momento para isso é agora, passada a fase do rompimento com formas gastas (modernismo), a fase de grandes traduções e reavaliação inicial do cânone (vanguardas dos anos 50). Teria acontecido antes, mas a ditadura, com a peculiar delicadeza que caracteriza os militares, varreu do mapa umas duas gerações inteiras e fez a cultura regredir no mínimo uns trinta anos do ponto em que se encontrava. Não pusemos os pés na sutileza porque nos puxaram o tapete quando estávamos na ante-sala do saber.
Daí que eu sou todo pelos critérios numa leitura que pretenda ser crítica, e que esses critérios sejam capazes de fazer ler criticamente tanto um negócio que surgiu sob o mais recôndito "luar do sertão" quanto aquele que saiu de uma megalópole hiperestesiada de tédio e cultura pop. Porque o cerne da literatura (ou de qualquer arte, para todos os efeitos) é a linguagem, e isso você depreende da habilidade com que o autor manipula sua linguagem, o conhecimento que tem da sua arte, o que acrescenta de novo a ela, como combina os elementos de sua tradição, se é capaz de abranger a representação da época nessa linguagem (mesmo que pelo lado reverso, tipo o sujeito que dá as costas para tecnologia, negócios e aglomeração populacional, e engendra um mundo que é e não é o mundo de antigamente, porque imaginário, porque em franca oposição).
Mas crítica sem teoriquês, sabe? como Horácio, Dante, Dryden, Baudelaire, Pound, Paz ou Borges mostram com suas obras críticas. Quer dizer, Pound por exemplo representou o avesso desse oba-oba atual do vale-tudo (que é uma coisa bem acéfala), mas também foi o avesso da sisuda crítica teórica alemã. Ele queria estabelecer excelências de expressão no seguinte sentido: de dentro da poesia para fora, e por meio de um trabalho oficinal que não ofendesse sua natureza de gai savoir. Acho que acertou na mosca branca. Mesmo quando aqueles autores mencionados erram, estimulam o pensamento. São o contrário da teoria, que propõe camadas progressivas de afastamento do objeto, até chegar a falar esquizofrenicamente de si mesma e consigo mesma, sem conhecimento produtivo.
E não acho que uma crítica capaz de encompassar a diferença caia em armadilha ideológica. Não necessariamente. A arte é uma coisa muito específica, não é um lugar democrático, não faz parte dos negócios, não promove a paz; presumo que não deva fazer parte das coisas desse jeito, já que estipula as próprias regras: deve ser um núcleo de experiência que combine um impulso arcaico de representação (seja lá do que for) e uma habilidade de compreender e manipular uma linguagem em constante metamorfose. Desse ponto de vista a arte é altamente instável, semelhante ao equilibrismo: é voar e andar ao mesmo tempo.
A armadilha estaria, por exemplo, em como Jameson critica o Warhol porque, diz o Jameson, os trabalhos dele não têm "profundidade" e pactuam com o establishment. Definir profundidade, nesse sentido, quem define? E quem disse que o artista precisa se opor ao capitalismo, ou a qualquer horror social? Isso é um marxismo pobre, e quer transformar a arte, que é representação, em conversa fiada, que normalmente sobe ao palanque. A arte pode incluir todo tipo de impureza, é o récit de um indivíduo dentro de uma situação social e mental x ou y. E o Warhol, por exemplo, é exatamente aquilo de que alguém se lembra plasticamente se pensar na representação de determinadas décadas do século passado.
RD: De que maneira o seu trabalho como poeta relaciona-se com esta noção de tradição, tanto a nacional quanto a internacional?
DV: Jean Cocteau escreveu: la poésie c’est la précision. Uma verdade atemporal; ou pode-se dizer que a minha relação com a tradição esteja contida no espaço entre duas definições complementares. A primeira, de Isidoro de Sevilha, nas Etymologiae: "a poesia é uma arte porque tem leis"; a segunda, de Maiakóvski em Como Fazer Versos: "o poeta cria suas próprias leis". Os dois não sabiam, é evidente, mas davam uma definição que precisou de muitas centenas de anos para se completar (nessas coisas, como você vê, não se pode ter pressa).
A tradição tem uns três sentidos: fazer você perceber quando alguém produziu uma besteira inominável e evitar repetir; propor modelos para o poeta iniciante, que não tem obrigação de saber tudo e não deve também repetir, por ignorância, o já feito; e perspectiva para os poetas que já desenvolveram voz própria, naquela convivência peculiar com os mais velhos e os mortos que apenas os leitores muito apegados têm noção do que seja.
O dilema: há todo tipo de referência hoje, e a maior parte dos artistas está sendo engolida por uma compulsão de pertencer ao minuto seguinte, ou por emular a crítica na poesia, o que é uma verdadeira desgraça e torna o poema um cruzamento monstruoso entre tese de lingüística, ou teoria da cultura, e estilemas concretos ou pop. Eles não entendem a arte propriamente, não acrescentam desenvolvimentos a ela, e ficam imitando aspectos superficiais do que já é aceito (basta ver que nas chamadas "linhas de força" da poesia brasileira, só dá epigonismo). E nisso a tradição também entra: poetas de quem se diz que são rigorosos, mas são inanes; de quem se diz que são inventores (o maior nobilitante atual, igual a inspirado durante o romantismo), quando deve haver por volta de uma dúzia e meia de inventores na poesia do Ocidente. Conhecer a arte nos deixa imunes à propaganda enganosa.
Os caras repisam o óbvio com coturnos pesados nuns textos que são apenas obra de crítica ainda com andaimes. Há muita reflexão tipicamente crítica na cabeça de poetas que daí escrevem textos esteticamente natimortos. E a crítica corre pra dizer "tá vendo, está tudo acabado mesmo", porque a crítica tem esse hábito agradável de bater prego em caixão vazio, antes de averiguar os fatos.
RD: Você dá grande valor a Sousândrade dentro do cânone nacional. Como você constrói seu paideuma? E de que maneira você crê que um poeta jovem pode inserir-se em linhagens específicas?
DV: Confesso que não tenho paideuma, na verdade, uma coisa que o Pound tirou de algum livro do Leo Frobenius e deu um sentido da cabeça dele (e eu acho que é assim que deveria permanecer); e depois porque é apanágio da vanguarda, e eu não sou vanguardista; isto é, não inventei um movimento com dura lex, sed lex e autores divididos nas categorias merde/roses.
Não obstante.
Sempre houve poetas ocupados do assunto do cânone, o aspecto qualitativo da tradição, e eu sou um deles: Meleagro, na Antologia Grega; Horácio, na Ars Poetica; Dante Alighieri, no De Vulgari Eloquentia, Pound no ABC of Reading, Rothenberg no Poems for the Millennium, etc: e isso nos próprios termos, de poetas. O modernismo foi uma arte crítica por excelência, porque em grande parte necessariamente destrutiva, mas esse bem trouxe um mal, que foi instalar um monte de clichês de moderno na circulação da poesia, que viraram nobilitantes. Mas essa história é bem antiga, num aparente paradoxo. Timóteo de Mileto (447-357 a.C.), por exemplo, escreveu orgulhosamente o seguinte:
Não canto os velhos cantos,
porque meus novos cantos são melhores.
Dá para pegar o prospecto, suponho.
No Brasil as vanguardas em geral afrouxaram a poesia formalmente. É muito claro que não estou falando da obra de, por exemplo, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, irmãos Campos (que, notoriamente também, reavaliaram o cânone com contribuições definitivas, como a do Sousândrade), ou Ferreira Gullar, mas de quem veio depois e escreveu o mesmo minimizando os efeitos e o impacto, e fez com que a poesia se tornasse um domínio do mínimo e do crítico, e não mais do múltiplo e do criativo. Veja quantas páginas o Schwarz foi capaz de amontoar na Folha sobre o Chico Alvim, extrapolando maravilhosamente, como uma cornucópia de palavras, aqueles pequeninos textos. Deixou de ser uma arte complexa e rica para se tornar um apêndice sonífero de papo crítico. Hoje ela precisa de um antídoto.
Nisso entra Sousândrade, como entram também Dom Tomás de Noronha, Martim Moya, Kilkerry, Sapateiro Silva, Marcelo Gama, etc. São exemplos de poetas ainda pouco lidos que podem ajudar a limpar a área, tirar esse excesso de conversa fiada, pôr um desafio palpável a novos poetas, estimular o interesse que fuja dos três clichês insuportáveis que se repetem todo o tempo (drummondiano-concretável-e-metaforista-pretensamente-naïve) e dessa praga de escrever má crítica recortada em verso. Esses poetas que mencionei e mais outros são o melhor do que se escreveu em português, mas vivem meio na sombra porque o cânone da nossa língua é um bloco sólido e imóvel de conservadorismo e irreflexão formal. Aquilo que eu dizia do domínio do típico e da historiografia e do sociologismo, quando não de seu oposto simétrico, o formalismo, que é só teoria.
Exemplos: Dom Tomás de Noronha escreveu pornografia que não resultava em burlesco, além de crítica política em versos não-panfletários; Martim Moya é um exemplo perfeitamente acabado de como usar ritmo e aliteração sem que isso enfarofe o poema, como acontece com Cruz & Souza; Kilkerry fugiu dos padrões do simbolismo francês e tem mesmo um poema em que experimenta com métrica quantitativa latina; o Sapateiro Silva escreveu canções e sonetos sem vocabulário idealista, mas repletos de palavras precisas de uns dois ou três ofícios, incluindo, obviamente, o de sapateiro, e num registro muitas vezes de ousado autodeboche; Marcelo Gama escreveu esta estrofe rija, à la Arnaut Daniel, soando com as rimas do melhor trovadorismo provençal: "O seu aroma há de ser acre, /e há de gostar a um verde alperce /o beijo estéril que se colha, cerce, /nos seus lábios de lacre" e, no mesmo poema, põe esta brusca analogia que faz lembrar os melhores versos de Maiakóvski: "levo para a Avenida uns ares importantes/ e afinado o quinteto dos sentidos". And so on. Mesmo Fagundes Varela, que sempre comparece com o meloso, sentimental e arrastado "Cântico do Calvário", tem poemas narrativos e fantásticos que são tão bem escritos, ou mais, do que os melhores do velho Tennyson, como "The Kraken".
Matam de tédio os alunos do ensino secundário com aulas sobre textos caducos, como os do José de Alencar, do Castro Alves, do Bilac, do Alberto de Oliveira, os poemas do Mário de Andrade, a prosa do Jorge Amado, etc, etc, etc. e depois reclamam que ninguém mais quer ler. Então você chega à Universidade, onde pensa — inocente — que vai haver uma discussão com um mínimo de verve e bom-senso sobre literatura e encontra apenas uma minoria de professores verdadeiramente interessados, e que discordam do esquema basbaque geral. Tive professores assim, e alguns deles desenvolveram em certo grau o nobre e excelente cinismo, para compensar as aberrações a que estão expostos.
Suponho que o poeta iniciante estará atento a esse negócio que vai evaporar num estalar de dedos. Qual? Aqueles tipos de poesia aludidos, verdadeiros subprodutos: a que se ensina nas escolas (raramente se lê ou mostra um bom poema em sala de aula; lêem-se os "históricos", quando se lê alguma coisa); a poesia falsamente concisa, aquela escrita pelos totais incompetentes (muitas vezes vem sob o rótulo de "invenção" ou outra coisa do gênero) em que há descendentes do concretismo e do pior Drummond, cultuada em círculos semi-intelectuais; a linha confessional-metafórica, que costuma vender bem porque as pessoas acham lindo e identificam o melado com a definição do que seria poético.
O ótimo Leonardo Fróes, por exemplo, não pertenceu a nenhum modismo idiota, e está escrevendo uma poesia simples & complexa cada vez melhor, e que não tem nada a ver com o monte de wannabes da poesia. Quem reconhece isso? Raríssimos. Mas a poesia dele permanece (como a do Valério Oliveira, a do Donizete Galvão, etc), apesar da situação inconsistente de se deixar uma obra importante como essa de lado pela ausência, nela, das afetações banais. É meio primitivo esse comportamento grupal, em que o grupo de iguais se justifica; é anticultural, é uma besteira culturalmente genocida. Mas o Brasil tem esquemas podres de poder que são parecidos em toda parte: se diz isso da política porque nela a coisa é auto-evidente, mas é o mesmo na cultura, nos negócios, etc.
RD: Como seu trabalho como tradutor relaciona-se ao seu trabalho poético? Pound não via diferenças entre os dois. Você incluiria suas traduções entre seus próprios poemas?
DV: Pound diferenciava da seguinte maneira: a tradução é como um trabalho de aprendizado ou partilha, e a obra original é um catalisador de experiências. Sugere, por exemplo, que o poeta traduza para aprender; depois, traduz para ampliar as possibilidades da cultura literária de uma língua, naquele caso, o inglês. A obra autoral não tem o aspecto didático de suas traduções, mesmo quando ele as incluía como personae no meio de seus livros originais. Não sei se você entende o que eu quero dizer.
Publiquei duas traduções mui convencionais no meu primeiro livro, MCMXCVIII, mas não por causa de não diferenciar, ou coisa do tipo. Foram uma tradução de Verlaine e outra de uma estrofe do Sordello, o trovador italiano. Era para dar volume, basicamente, tinha bem pouca coisa publicável então (o contrário do que acontece hoje, até por fazer três anos de jejum desde o Descort). Alguns poucos poemas se desenvolvem a partir do que eu queria que fosse uma tradução e, quando é assim, como neste meu novo livro, eles entram, porque são híbridos e não faria nenhum sentido publicar com traduções mesmo ― como tenho feito regularmente na Germina com ensaios ―, e já quase não são o poema de partida. Acontece isso quando você está num esquema de tradução por prazer e daí aquilo por algum motivo se desfigura. Você segue o coelho para onde ele for dentro da toca.
Comecei a traduzir poesia como um exercício de compreensão do poema e da outra língua, daí como aprendizado técnico (coisa que nunca se esgota), e então por prazer. Agora sou bastante suscetível a traduzir poemas de que gosto muito: "Ozymandias", do Shelley; o prelúdio do "Parlement of Foulys", do Chaucer; os epigramas do Marcial; trechos das Metamorfoses, do Ovídio; "Colombine", do Verlaine; "Praga Invadida", do Fressia; um trecho da "Canyon Suite", do Edwin Torres; "Il canto de li augei di frunda in frunda", do Boiardo; a "Epístola XLII", do Voltaire; poemas de cummings, Cesare Pavese, Peire Vidal, Joan Brossa, etc.
É interessante também pela variedade, claro, e pode ter efeitos pontuais na obra autoral. A minha experiência com a métrica latina de Ovídio, por exemplo, chegou a produzir efeito formal direto em alguns poemas mais longos que escrevi para o Icterofagia, o novo livro, e chegou mesmo a modificar o modo como entendia a própria questão da métrica em português, quer dizer, estou convencido de que há um aspecto residual da quantidade que deve ser levado em conta do ponto de vista do som que se produz. Kilkerry, como eu disse, foi um dos poucos poetas brasileiros a perceber e explorar isso, como Moya e Afonso X, o Sábio, foram dois dos poucos a compreender e ter a habilidade necessária para utilizar a arte musical do verso da Provença.
RD: Lendo seus poemas, percebe-se uma grande variedade de vozes, como se o tradutor do "Personae" estivesse assumindo também máscaras. Ou poderíamos chamar de trabalho de ventríloquo? De que forma isto se faz presente em seu último livro, Icterofagia?
DV: Sei que a tentação de associar a minha poesia à do Pound é enorme, porque trabalhei com seus livros, porque há pontos de contato, mas o que faço não tem a ver com as personae, quando ele normalmente imitava a voz de outro poeta para dizer alguma coisa muito específica, como imitar a voz de Bertran de Born numa sestina violenta, ou parodiar a ironia de Propércio numa pseudotradução. Seria como associar Pound e Pessoa, porque também partilham essa pluralidade de vozes, mas também de um modo diferente. Meu texto é dramático, o de Pound não.
Meu livro está repleto de formas diversas de se escrever um poema, pelo fato de que cada poema exige de mim uma voz e uma forma muito específica: o lamento de uma esposa por um casamento horroroso é uma coisa, um deus ou anjo falando é outra, assim como um poema para fazer rir é muito diferente de uma meditação solene, ou de uma quase letra de rock, ou mesmo de uma conversa à toa num ônibus (e tudo isso é parte do livro). Há a música, que pode ser melodia ou estrutura, a forma de conversa, o aspecto visual, diferentes tipos de uso do português, etc. É muito recente esse negócio do poeta falar apenas das imediações do seu umbigo ou menos: me vejo mais ligado a Shakespeare, ou Ovídio, à poesia italiana do século XV e XVI, a Jean Cocteau e até a Sousândrade, poetas que tinham uma mística de variedade & unidade.
É preciso haver uma poesia forte, complexa e variada. Escrevi mesmo um livro dramático, quase no sentido teatral, e muito completo como experiência porque, como você notou, são muitas vozes diferentes dizendo, às vezes, coisas opostas. Borges ou Mallarmé viam o livro como um objeto completo, espelho do mundo reinventado em palavras. É como vejo, também. E Icterofagia, apesar disso (ou por isso) deve ser o meu livro mais pessoal; num sentido dramático, mas o mais pessoal, mesmo porque eu mudei de casa umas quatro vezes, e para lugares diferentes. Minha vida mudou muito enquanto os poemas iam sendo escritos. E também curiosamente há, pela primeira vez na minha obra, uma espécie de fio condutor, de baixo contínuo no livro. É engraçado.
Deixa ver, ventríloquo, é o seu palpite? Vejamos, o Houaiss diz que o ventríloquo é o que dá a "impressão de que a voz vem de outra pessoa e não do falante": definição dos sonhos para um dramaturgo, que pode dizer coisas alheias a si sem o desconforto de todos os personagens parecerem ridiculamente o mesmo. Muito conveniente, muito bom. Quer dizer, supondo que foi esse o sentido em que você pensou.
RD: Você poderia falar um pouco mais sobre a transição entre o Descort e o Icterofagia?
DV: Houve uma coisa interessante que o Manuel da Costa Pinto falou sobre o Descort na Folha: ele notou uns tons de Baudelaire e Jarry nele. Faz sentido, acho que é um livro em que se nota, entre outras coisas, o modo como li e transformei Jarry ou Baudelaire, mas também J.-K. Huysmans, esse prosador preciosíssimo para a literatura, e mais Rimbaud, Laforgue, Corbière (tem até um poema em homenagem a ele). Havia lido os estudos muito iluminadores que o Gustave Kahn escreveu sobre o verso livre francês, e aquele livro do René Taupin, que traça a hoje famosa e importante ligação entre o modernismo estadunidense e inglês e o fin-de-siècle. Resumindo, havia encontrado algumas coisas no fim do século XIX e começo do XX que queria desenvolver numa nova poesia, uma vitalidade, um saber estilístico que se aplicavam à sensação de deserto literário atual. Parece absurdo falar uma coisa dessas, os caras se chamavam "decadentistas", mas é para você ver como o negócio pode degringolar em pouco mais de um século. Presumo que hoje, diante dos fatos, eles reconsiderariam o nome.
O Descort tinha um pouco desse ambiente mental, e anunciava claramente um desacordo poético meu em relação à época e o lugar em que vivo, e o que se reconhecia como poesia brasileira do mesmo período. Quando comecei a escrever o Icterofagia, em 2002, lembro de ter enviado alguns poemas para um amigo meu e ele disse o seguinte: "É, Dirceu, enfim você ficou completamente louco". Era o embrião de uma mudança bastante radical: estava lendo e traduzindo as Metamorfoses, do Ovídio, tinha achado os poemas do Le Cap de Bonne-Espérance do Cocteau (que, na minha opinião, fizeram Pound acertar o estilo que usaria nos Cantos, deixando as adaptações de Browning de lado) e realmente sentia, em meio às muitas mudanças na minha vida, que os poemas saíam todos com um estilo que, mesmo variado, agora era peculiar a mim.
E estava interessado na beleza. Um outro amigo meu, quando fomos fazer uma leitura pública e estava aquela conversa de bastidores, me disse que não ligava pro que diziam da poesia dele, achava que o mundo estava pavoroso e ele pensava na beleza, não importa o quão demodé isso soasse. Ele está totalmente certo. Foi uma coisa muito importante, porque o que costuma ser ressaltado na minha poesia é o humor, ou muitas vezes o aspecto epigramático ou fragmentário, mas a forma cantável ou narrativa de vários dos meus versos não é apenas um traço exterior. E naquele momento percebi o que ele disse através do meu gosto então mais ou menos recente pela poesia do Renascimento.
Havia começado na Faculdade, lendo alguns poemas do Lorenzo de Medici e do Angelo Poliziano numa antologia, e depois ampliei para a filosofia, a mística neoplatônica e ocultista, a música do século XV e XVI, a proposta de um conhecimento que se oporia radicalmente à tacanhice da especialização que seca o cérebro das pessoas neste começo do século XXI. E, naturalmente, a beleza: muito ao contrário do que normalmente se crê, que o neoplatonismo é só castidade e sonho de alma, você lê uma poesia que parte da observação e do conhecimento das coisas, sensual nesse sentido, e transfigura esses índices em visão, que foi uma coisa que eles aprenderam com Dante, que aprendeu, por sua vez, com os provençais. Tem aquele soneto do Matteo Maria Boiardo que traduzi faz algum tempo para a Germina e é um exemplo perfeito disso: para descrever a sensação da beleza que sua amante lhe inspira, ele constrói um soneto cheio de uma beleza líquida, tanto nas imagens que utiliza quanto no uso de "l"s e "i"s, que formalmente traduzem isso, fazendo a sua língua subir ao palato várias vezes, como se você saboreasse literalmente o poema.
Há então uma mística da beleza no livro, como em "A Forja", que é um breve poema delineado da visão alquímica da beleza numa cena bem cotidiana. Essas coisas estão todas ligadas, é besteira pensarmos que a mente está desligada do corpo que, por sua vez, está desligado de uma idéia de "espírito": as coisas se transfiguram, se movem, estão se transformando o tempo todo. A mecanização da vida impediu a maioria de ver isso, mas não quer dizer que não esteja lá.
Ou seja, a diferença entre os livros é muito grande: de amplitude, variedade técnica e de vozes, a teatralidade. Icterofagia é o meu livro mais completo como poeta, mais complexo como visão, e muito mais interessante tecnicamente. Por exemplo: um professor e crítico argentino fez uma pequena compilação dos meus versos mais recentes e o que ele selecionou me faz parecer um poeta muito radical, de formas novas e bizarras, o que é muito interessante e prova a variedade do livro, que da mesma maneira poderia dar a impressão de que sou um cultor de formas aparentemente bem antigas.
RD: A variação de temas parece ter aumentado muito no novo livro, além de uma conscientização do papel social e político do poeta. Você poderia comentar isto?
DV: É que eu fiquei velho. Brincadeira.
Quer dizer, é brincadeira, mas agora tenho trinta anos, e não deixo de me recordar de um poema do Jean Cocteau, "Le Poète de Trente Ans". Ele está simbolicamente sobre sua própria casa, no meio dos anos de sua vida, olha a divisão dos dois lados, muito parecidos, mas em estações diferentes. Ele avalia a situação, sabe que foi amado por Vênus (e ainda o é ; se não fosse, a gente supõe que não escreveria mais) e diz: "Se minha casa não fosse feita dos meus poemas,/ Eu sentiria o vazio e tombaria do teto". Mesmo que se não seja publicado, como eu não sou, a sensação é exatamente essa.
Se tem algo de bom na passagem do tempo é que a gente fica mais um pouco mais esperto. Tive até o bom senso de incluir peças em que ponho aquela segunda voz de dentro das nossas próprias cabeças, sempre dizendo "deixa disso, as pessoas são assim mesmo". Há um lema moderno que é o de experimentar todas as percepções das coisas, uma despersonalização, um ato de incorporar aquilo que não é você. É mais do que poesia, é um exercício espiritual. Antes tinha uma certa dificuldade nisso, sabe como é, pouca empatia, um modo swiftiano de ser, eu admito. O que restou disso foi uma voluntária provocação para um despertar.
Política: quando perguntaram para o Truffaut, creio que durante as míticas encrencas de 1968, a posição política dele, Truffaut disse que não tinha exatamente uma, porque não se interessava, porque, como artista, se reservava o direito à contradição. Isso é o melhor que alguém inteligente e em sã consciência pode dizer sobre o assunto, e eu gostaria de ficar nisso, porque me torno subitamente amargo, mas não consigo evitar meu desgosto pessoal de viver no meio disso. Detesto política e tudo que se pareça com ela, o que, infelizmente, não é pouca coisa. É pegajosa, cheia de artimanhas covardes, e espalhou seu fedor por toda vida brasileira. As pessoas reclamam dessa classe, os políticos, mas vá ver: são iguais a eles nos pequenos atos de suas vidas: invejam, intrigam, corrompem, e acham, na verdade, que é muito humano e desculpável, como personagens de uma novela dessas que assistem, onde todo mundo é burro e mesquinho, mas sempre tem um confortável final de classe média no paraíso. Esse é o tipo de coisa que invadiu a vida das pessoas fazendo com elas trocassem a própria vida por uma anódina carreira de sucesso no mercado de escravos, compensada com prozac e auto-ajuda. Eu quero dizer que a sociedade está morta, e é morte física e cerebral. Aquele filme britânico que parodia os filmes de zumbi, Shaun of the Dead, acerta em cheio com aquela piada do cara que não percebe que seus vizinhos estão dia-a-dia se transformando em mortos-vivos. Claro, qual é a diferença? Eles se levantam sempre à mesma hora, fazem os mesmos caminhos, entregam a maior parte de suas vidas para um trabalho em que não acreditam (mas de que precisam para sobreviver), chegam em casa, assistem TV, trocam uns ruídos entre si e apagam.
Então, se o que você chama no meu livro de conscientização do papel político e social do poeta for a maneira como se percebe esse meu profundo desdém pela estupidez geral, é isso aí. O meu recado é bem claro: façam o contrário do que esperam de vocês. O Thom Yorke do Radiohead não faz um mês escreveu no site da banda que o Blair deveria deixar o cargo, porque afirma: serve aos EUA numa política de guerra que não representa a opinião dos ingleses. Quer dizer: quando chega a esse nível de zona, quem consegue ficar quieto no seu canto? Não acredito em engajamento do artista, porque o meio do artista não é política de espécie alguma, mas ele pode escancarar artisticamente o ridículo e o desumano que temos vivido, no Brasil e nesse mundo moralmente conservadores, militarmente covardes e socialmente infelizes dos últimos anos.
RD: No prefácio ao Icterofagia, você declara inútil, brutal e insignificante a abstração, e diz também que "se você não sorrir, seus lábios estão com defeito." Você estaria apontando para a poesia que também "delights", além de incomodar, de ser a nódoa de que falou Manuel Bandeira?
DV: Algum nível de abstração é sempre inevitável e bom, porque senão nem teríamos conseguido chegar ao estágio elementar que nos levou a fazer fogo, e eu estou ciente disso; penso no hábito que virou transformar uma abstração, por mais tola e imprestável que seja, numa virtude intelectual. Ninguém quer afirmar mais nada enfaticamente, já que toda ênfase num mundo politicamente correto é vista como totalitária. "Ah, esse cara não pode dizer isso, é uma democracia". Lars von Trier mostrou didaticamente como funciona essa coisa no Manderlay: não há democracia para se votar em que horas são. Elas são ou não são. Entende o que quero dizer com abstração? é um lavar de mãos, e nisso não me meto. Puro e simples. Faz parecer que o cara está tomando aquele caminho difícil e difuso do mais intelectual possível, mas está é deixando o palco fazendo uns truques para despistar. Há, talvez, coisas indizíveis e que freqüentarão portanto o mistério, mas partir daí para ficar tirando interrogações a esmo do bolso e espalhando no chão pra cobrir as próprias pegadas é ridículo. É uma cena digna das farsas do Patolino nos Looney Tunes.
Toda grande poesia é um deleite, não é? Acho que é um detalhe fundamental que as pessoas esqueceram, incluindo nesse "as pessoas" aquelas que escrevem os poemas. Há um poema do grande Derek Walcott ("Map of the New World — Archipelagoes", que tem uma ótima tradução do Nelson Ascher, aliás) em que ele retraça imaginariamente os passos do fim da guerra de Tróia numa alusão às ilhas do Caribe (ele nasceu em St. Lucia). No começo ele mostra os restos de Tróia já calcinados, os cabelos de Helena, uma nuvem cinzenta, e afirma que no fim da sentença, a chuva vai cair. E de fato, começa a chover; daí, no fim do poema, ele diz mais ou menos o seguinte: um aedo de olhos enevoados toma nas mãos a garoa, retesada como as cordas de uma harpa, e dedilha o primeiro verso da Ilíada.
Isso é puro deleite, você se pergunta que milagre de imaginação pôs todas essas coisas juntas numa visão tão fascinante depois da leitura, tão comovente, e Walcott é um autor bem vivo, não é um ancestral, quero dizer, esse aspecto não foi totalmente esquecido numa época brutal e sem refinamento, basta saber onde buscar. Como quando a gente não consegue evitar gargalhar na aventura de Dom Quixote e Sancho Pança naquela noite cheia de medo e estranhos ruídos; ou o deleite do soneto de Boiardo, que mencionei em alguma parte da entrevista. Se a poesia ou a literatura não deleita, então sequer chega a ser poesia e literatura. Essa literatura escrita por crítico ou filósofo, como a de Deguy, é só o grunhido de um cara carrancudo e sem imaginação. Daí que a literatura pode incomodar e ser um lixo (mesmo porque o lixo é de fato incômodo, cheira mal, entulha, etc). É uma espécie de genérico sugerido na falta da coisa em si. Deixa muito a desejar.
A poesia pode incomodar decentemente ou não. Incomoda decentemente quando empurra o leitor e diz: "acorda, você está num sono maligno, sem sonhos, você está morto"; mas pode ser pura fruição de um momento de êxtase então compartilhável em linguagem, e isso é uma das melhores coisas que um poema pode fazer por você: ele fixa um esplendor que de outro modo seria passageiro, vira um cristal de beleza perene. Que nem disse o Horácio: Monumentum aere perennius, etc. É esse o espírito.
agosto, 2006
Dirceu Villa. Poeta, tradutor, ensaísta e professor de literatura. Publicou MCMXCVIII (São Paulo: Selo Badaró, 1998), Descort (São Paulo: Hedra, 2003) e tem inédito o novo livro de poemas, Icterofagia. Apresentou o programa da rádio CR37, da Casa das Rosas, na internet, sob direção de R. H. Jackson, e editou a revista Gargântua (1998-1999); foi publicado na antologia nova-iorquina Rattapallax 9 (2003); tem poemas publicados nas revistas Ciência & Cultura e Ácaro, na qual publicou também traduções de e.e.cummings e Ezra Pound; traduziu e anotou Lustra, de Ezra Pound, para o mestrado (2004); tem ensaio sobre Fernando Pessoa publicado no "Dossiê" da revista Cult (2005); fez o roteiro e desenhou a HQ "O Entardecer de um Fauno", baseada em poema de Stéphane Mallarmé, e recentemente prefaciou os Contos Indianos, do mesmo autor (São Paulo: Hedra, 2006), além de A Trágica História do Doutor Fausto, de Christopher Marlowe (São Paulo: Hedra, 2006). Traduziu Imagens de um mundo trêmulo, de John Milton (São Paulo: Hedra, 2006). Leciona no curso de extensão universitária da USP (Poesia – 2003/2004/2006) e faz parte do corpo editorial da revista Cadernos de Tradução, FFLCH-USP.
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Ricardo Domeneck. Paulista, vive em Berlim. Além de poeta, é tradutor, ensaísta, videomaker e DJ. Como DJ, organiza a festa semanal Berlin Hilton. Edita o fanzine Hilda e é "content manager" do site Flasher, para o qual escreve artigos e entrevista artistas e músicos em Berlim e Londres. Co-fundador da gravadora Kute Bash Records. Publicações: Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Editora Bem-Te-Vi, 2005); Cuatro Poetas Brasileños Recientes, organização e tradução de Cristian de Nápoli (Buenos Aires: Editorial Black & Vermelho, 2006); A cadela sem Logos (São Paulo/Rio de Janeiro: CosacNaify/7Letras, 2007); Ideologia da percepção, em Inimigo Rumor — Revista de poesia, n. 18 (São Paulo/Rio de Janeiro: editoras CosacNaify/7Letras, 2006); When they spoke I / confused cortex / for context (London: Pablo Internacional Magazine, 2006). Colaborações: Tentação do Homogêneo, em Cacto — Revista de Literatura, n. 4 (São Paulo: edição de Tarso de Melo e Eduardo Sterzi/editora Unimarco, 2004); textos, traduções (Jack Spicer, Rosmarie Waldrop, Lyn Hejinian & Basil Bunting, do inglês; e Friederike Mayröcker, do alemão) e entrevista, em Inimigo Rumor — Revista de poesia, n. 17 (São Paulo/ Rio de Janeiro: editoras CosacNaify/7Letras, 2006). Mais sobre Ricardo Domeneck: aqui.
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