©regina lustosa  
 
 
 
 
 
 
 

A lama que escorre dos palácios e o circo dos senadores em fogo e as palhaçadas da televisão para débeis e os prejuízos mentais que isso acarreta ao país e a caretice consagrada com sua burra etiqueta e as fabriquetas de doutores flagradas vendendo curso & diploma e coronéis carregando cocaína nas aeronaves da pátria e os mais sisudos ou bisonhos juízes carregando na maleta além de leis e mutretas o ouropel das propinas e delegadas colocadas para cuidar das crianças vivendo da prostituição infantil e a mascarada das caçadas atrás de perigosos bandidos que logo pagando serão soltos de novo para recomeçar o brinquedo e o medo pânico que explode entre os circunstantes à mesa nas calçadas no elevador na rua em qualquer lugar alguém sua e teme e se acua e nem olha mais para os lados para espiar as belezas e os coqueiros enfezados consumindo monóxidos e as grandezas portanto apequenadas e os colarinhos postiços e os tubarões na peruagem com suas bocas sangrentas comendo a carne dos outros e vomitando colares cocares cocô e açúcar-cândi e as graciosas finuras com seus dedos melosos passando seus agrados vendidos nas barbas dos tubarões com charuto enquanto a criançada lá fora nos guetos da periferia apodrece e o povo esquece e o poder se apetece para os proprietários do poder que a roubalheira enriquece enquanto na periferia escurece é sempre escuro estreito fétido insalubre mortal o mesmo disco semeia as mesmas flores do mal o mesmo filme tem sempre aquele mesmo final e os urubus rodopiam as caveiras galopam desgrenhadas e a peregrinação dos molambos vai catar nos lixões suas pepitas de lata ou seu presunto estragado que os cães famintos cobiçam como um pedaço de gente fuzilada diante dos outdoors promissores e agora um pouco atenuados pela chuva de fezes e canetadas despóticas do nepotismo ou deputismo das máfias de pífias nobrezas enquistadas e gordas na história das capitanias unidas por prepotência e ganância e raquitismo e cegueira cerebral e feiúra e o engulho do entulho que isso tudo derrama a náusea o desencanto que essas coisas nos dão enquanto a vista passeia estarrecida ao lado de pessoas largadas como farrapos ou sacos de destroços que os emissários apressados dos mais urgentes negócios vão chutando sem ver que ainda sangram e gritam com seus olhos de sarna e a podridão das feridas que decorre da podridão dos palácios e um pouco acima dos mendigos pisados e esticados no bolor da marquise onde se abrigam da chuva a glamorosa fila de mulheres peladas entronizadas no calor de uma banca que é um paraíso e contrasta com a desolação ao redor e a dor que fica e a confusão do contraste entre a carne farta da banca com sua redondez de pelúcia e a condição também humana em princípio da carne suja andrajosa da sarjeta infestada com sua imundície a rodo e a rotação das esferas e as contradições violentas enquanto a bola da fala vira um cuspe grudento e o estupor é uma pedra na garganta que não deixa gritar nem protestar mas afinal arrebenta aos borbotões e restaura a liberdade de respirar e pintar desabafando.

 

 

 

 

agosto, 2006
 
 

 

Leonardo Fróes. Poeta conhecido por suas atividades na imprensa e como ensaísta e tradutor dos mais respeitados, já transpôs, para o português, livros de William Faulkner, George Eliot, Malcolm Lowry e Lawrence Ferlinghetti, entre outros. Montanhista e naturalista amador, traduziu também livros de especialistas em ciências da natureza, como o ornitólogo Helmut Sick e o mirmecólogo Edward O. Wilson. Algumas Publicações: 1)  Poesia: Chinês com Sono e Clones do Inglês (Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005); Vertigens (Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998) e Argumentos invisíveis (Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995) — este, ganhador do Prêmio Jabuti de Poesia, em 1996. 2) Tradução: Contos Completos, de Virginia Woolf (São Paulo: Editora Cosac Naify, 2005); Esquetes de Nova  Orleans, de William Faulkner (Rio de Janeiro: José Olympio, 2002); O triunfo da vida, de Shelley  (Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2001) — tradução e ensaio; Trilogia da paixão, de Goethe  (Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1999) — tradução e ensaio; Panfletos Satíricos, de Jonathan Swift (Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 1999); Middlemarch, de George Eliot  (Rio de Janeiro: Editora Record, 1998) — trabalho que  lhe rendeu o Prêmio Paulo Rónai de Tradução, em 1998. Também é dele a compilação de histórias e lendas advindas da tradição oral do Oriente, Contos orientais (Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2003) e a  biografia do poeta Luiz Nicol Fagundes Varella, Um outro. Varella (Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1990).

 
 
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