A lama que escorre dos palácios e o circo dos senadores em fogo e as palhaçadas da televisão para débeis e os prejuízos mentais que isso acarreta ao país e a caretice consagrada com sua burra etiqueta e as fabriquetas de doutores flagradas vendendo curso & diploma e coronéis carregando cocaína nas aeronaves da pátria e os mais sisudos ou bisonhos juízes carregando na maleta além de leis e mutretas o ouropel das propinas e delegadas colocadas para cuidar das crianças vivendo da prostituição infantil e a mascarada das caçadas atrás de perigosos bandidos que logo pagando serão soltos de novo para recomeçar o brinquedo e o medo pânico que explode entre os circunstantes à mesa nas calçadas no elevador na rua em qualquer lugar alguém sua e teme e se acua e nem olha mais para os lados para espiar as belezas e os coqueiros enfezados consumindo monóxidos e as grandezas portanto apequenadas e os colarinhos postiços e os tubarões na peruagem com suas bocas sangrentas comendo a carne dos outros e vomitando colares cocares cocô e açúcar-cândi e as graciosas finuras com seus dedos melosos passando seus agrados vendidos nas barbas dos tubarões com charuto enquanto a criançada lá fora nos guetos da periferia apodrece e o povo esquece e o poder se apetece para os proprietários do poder que a roubalheira enriquece enquanto na periferia escurece é sempre escuro estreito fétido insalubre mortal o mesmo disco semeia as mesmas flores do mal o mesmo filme tem sempre aquele mesmo final e os urubus rodopiam as caveiras galopam desgrenhadas e a peregrinação dos molambos vai catar nos lixões suas pepitas de lata ou seu presunto estragado que os cães famintos cobiçam como um pedaço de gente fuzilada diante dos outdoors promissores e agora um pouco atenuados pela chuva de fezes e canetadas despóticas do nepotismo ou deputismo das máfias de pífias nobrezas enquistadas e gordas na história das capitanias unidas por prepotência e ganância e raquitismo e cegueira cerebral e feiúra e o engulho do entulho que isso tudo derrama a náusea o desencanto que essas coisas nos dão enquanto a vista passeia estarrecida ao lado de pessoas largadas como farrapos ou sacos de destroços que os emissários apressados dos mais urgentes negócios vão chutando sem ver que ainda sangram e gritam com seus olhos de sarna e a podridão das feridas que decorre da podridão dos palácios e um pouco acima dos mendigos pisados e esticados no bolor da marquise onde se abrigam da chuva a glamorosa fila de mulheres peladas entronizadas no calor de uma banca que é um paraíso e contrasta com a desolação ao redor e a dor que fica e a confusão do contraste entre a carne farta da banca com sua redondez de pelúcia e a condição também humana em princípio da carne suja andrajosa da sarjeta infestada com sua imundície a rodo e a rotação das esferas e as contradições violentas enquanto a bola da fala vira um cuspe grudento e o estupor é uma pedra na garganta que não deixa gritar nem protestar mas afinal arrebenta aos borbotões e restaura a liberdade de respirar e pintar desabafando.
agosto, 2006
Leonardo Fróes.
Poeta conhecido por suas atividades na imprensa e como ensaísta
e tradutor dos mais respeitados, já transpôs, para o português,
livros de William Faulkner, George Eliot, Malcolm Lowry e Lawrence
Ferlinghetti, entre outros. Montanhista e naturalista amador, traduziu
também livros de especialistas em ciências da natureza, como o ornitólogo
Helmut Sick e o mirmecólogo Edward O. Wilson. Algumas Publicações:
1) Poesia: Chinês com Sono e Clones do Inglês
(Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005); Vertigens
(Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998) e Argumentos invisíveis
(Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995) — este, ganhador do Prêmio
Jabuti de Poesia, em 1996. 2) Tradução: Contos Completos,
de Virginia Woolf (São Paulo: Editora Cosac Naify, 2005); Esquetes
de Nova Orleans, de William Faulkner (Rio de Janeiro:
José Olympio, 2002); O triunfo da vida, de Shelley
(Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2001) — tradução e ensaio; Trilogia
da paixão, de Goethe (Rio de Janeiro: Editora Rocco,
1999) — tradução e ensaio; Panfletos Satíricos,
de Jonathan Swift (Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 1999); Middlemarch,
de George Eliot (Rio de Janeiro: Editora
Record, 1998) — trabalho que lhe rendeu o Prêmio Paulo Rónai
de Tradução, em 1998. Também é dele a compilação de histórias e
lendas advindas da tradição oral do Oriente, Contos orientais
(Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2003) e a biografia do poeta
Luiz Nicol Fagundes Varella, Um outro. Varella
(Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1990).
Mais
Leonardo Fróes em Germina