"Quando eu não tenho o que
fazer", diz o rapaz, "deito no sofá da sala e fico vendo lagartixa pegar
mosquito no teto".
Aí está, penso eu. Deve
ser por isso que ele é assim tão centrado. Tranqüilão e
sorridente.
Que ocupação mais
prazerosa e instrutiva, contemplar lagartixa! Você já viu como ela bate
a cabeça?
Parece que está querendo
falar.
Criou-se o mito da
velocidade. Todo mundo corre muito sem saber para onde. É preciso estar
em dia? Quantas carnificinas inúteis. Tantos lançamentos por hora.
Quantos foguetórios por nada.
Mas ele não. Ele, ali
deitado como fica, talvez penetre num segredo qualquer. E a seu jeito
paciente talvez nem diga o que viu.
Para
quê?
Ver o em si de cada coisa,
contemplar sua paisagem interior ou inscape, como propôs Hopkins,
é experiência transfiguradora. Ensina a respeitar o que há, o que é, o
que existe assim-tal-como e ninguém, a não ser a própria vida, pode
levar a deixar de ser a seu modo.
O olhar oriental repuxado
parece se aprimorar nos detalhes. Em sua pobre cabana, o japonês Kamo no
Chomei (1153-1216) tinha instalado uma imagem de Buda entre cujas
sobrancelhas, ao crepúsculo, brilhava um raio de sol. Seu pensamento ia
fluindo para o ponto em questão. Solidificava-se ali. Penso que isso o
alimentava. Ainda hoje, muitos filmes chineses, japoneses, coreanos ou
vietnamitas freqüentemente fazem closes de insetos, plantas, pedras,
terra, água. Convém olhar com atenção um grão de areia ou um
rosto.
A multiplicidade da vida
natural é irredutível. Como fazer closes do ar?
Quem ouve a música da
chuva, o som do vinho derramado nas taças?
Aliás não havia ideal mais
nobre, entre os antigos gregos, do que contemplar o cosmos. Em Homero e
em Platão se fala da virtude imanente a tudo aquilo que é, ou há, e de
como essa virtude lhe permite ser o que é, mantendo a
forma.
Mais ou menos como o que
disse Hopkins?
Acho que
sim.
Mas as lagartixas, quem
sabe?
É preciso olhar as coisas
para esvaziar a cabeça, que muitas vezes não passa de um rádio bobo
falando.
Quanto maior a capacidade
de contemplar, maior a de ser feliz.
Ou
melhor: contemplar é ser feliz.